INFORME
REFORMA POLÍTICA - 003
Dizem que no Brasil as leis são como vacinas. Umas pegam, outras
não. Assim, há enorme expectativa em relação ao que vai acontecer com a chamada
Lei de Acesso à Informação, que entrará em vigor a partir de 16 de maio deste
ano (Lei 12.527). Caso o texto aprovado no Congresso Nacional seja mesmo para
valer, qualquer cidadão poderá solicitar aos órgãos públicos informações do seu
interesse. E poderá fazê-lo pessoalmente, por carta, e-mail, ou até por telefone. Nem precisará
dar-se ao trabalho de explicar o "por que" do pedido.
A regra vale para
Legislativo, Executivo e Judiciário, nos níveis municipal, estadual e federal.
As empresas estatais, autarquias e fundações também estão incluídas. Os
burocratas terão vinte dias - prorrogáveis por mais dez - para responder às
indagações ou para negá-las por escrito, neste caso justificando o motivo. O
servidor que se recusar a prestar informações, retardar o acesso a elas ou
deliberadamente fornecer dados incorretos será punido.
A grande novidade na
terra de Macunaíma já existe em outros 88 países. Na Suécia, por exemplo, há
mais de 200 anos. O fato de o Brasil chegar atrasado nesta festa tem ao menos
um lado bom: a Lei é moderna, muito semelhante àquelas existentes nos países
que sempre levaram a sério o direito de acesso à informação. No entanto, a
"jabuticaba" do texto é atribuir à Controladoria Geral da União
(CGU), vinculada à Presidência da República, o papel de órgão recursal, quando
o ideal teria sido a criação de agência independente.
De fato, imagine a
possibilidade de solicitar informação a qualquer secretaria de um ministério.
Havendo a negativa, você reenviará o pedido ao superior imediato do secretário,
ou seja, ao ministro. Se este também negar, você irá recorrer à CGU, em outras
palavras, a outro ministro - no mesmo nível hierárquico do que negou seus
pedidos anteriormente-ambos integrantes do governo federal. Nada contra a CGU,
que, aliás, tem feito ótimo trabalho em favor da transparência. Mas,
institucionalmente, a raposa não deveria tomar conta do galinheiro.
De qualquer forma,
pelo menos aparentemente, estamos a dois passos do paraíso, como diria o meu colega
de escola, Evandro Mesquita, da banda Blitz. Em
71 dias, constataremos se a Lei de Acesso à Informação irá ou não acabar com a
maratona entre seções, chefias, requerimentos, autenticações e outros
obstáculos impostos a quem ousa solicitar documentos em qualquer
"repartição pública".
Na verdade, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção da Organização das
Nações Unidas contra a Corrupção, a Constituição Federais e diversas outras
leis já tratavam do direito do cidadão de receber dos órgãos públicos
informações do seu interesse. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo,
há anos, autoriza o acesso de entidades não governamentais a diversos bancos de
dados. A facilidade, porém, não é viabilizada, pois as senhas de acesso aos
referidos cadastros são sistematicamente negadas pelas Pastas com respostas
evasivas.
Assim sendo, há o
receio de que a implantação desta lei possa também patinar em vários
subterfúgios burocráticos. O primeiro deles é que o texto legal sequer foi
regulamentado. Como conseqüência, estados e municípios têm inúmeras dúvidas,
inclusive sobre a eventual necessidade de aprovação de leis locais. Muitas
outras indagações causam ansiedade. Quais serão os órgãos recursais no
Legislativo e no Judiciário? Os seis meses decorrentes entre a assinatura da
lei e a sua vigência efetiva foram suficientes para que os arquivos tenham sido
catalogados e os servidores devidamente treinados para a nova realidade?
Existem recursos disponíveis nos orçamentos federal, estaduais e municipais
para a criação de setores responsáveis pelo recebimento e tratamento das
informações solicitadas?
Entre os temores de o
esforço acabar em pizza está a possibilidade de os gestores classificarem os
documentos como "secretos", "ultrassecretos" ou
"reservados", o que na prática torna a informação inacessível. Ou
mesmo dizê-la inexistente ou indisponível.
Como somos gatos
escaldados, é difícil imaginar que em 60 dias estará revogada no Brasil a
"cultura do sigilo". Mas cabe-nos lutar para que isso aconteça. Nesse
sentido, foi criado o site www.queremossaber.org.br,
à semelhança do inglês www.whatdotheyknow.com,
para intermediar, às claras, os pedidos aos governos. A Lei 12.527, se vingar,
será marco histórico em favor da cidadania. Mas essa vacina precisa pegar.
Autor: Gil Castello
Branco, fundador da Associação Contas Abertas e membro do Fórum de Direito de
Acesso a Informações Públicas
Fonte: Plataforma Reforma Política
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