Coluna Econômica - 17/01/2014
No combate ao vício das drogas, há o tratamento
compulsório, higienista, de prender e segregar os viciados; e o tratamento
humanizado, chamado de “redução de danos”. Em vez de cortar imediatamente e
compulsoriamente a droga, sujeitando o viciado a crises de abstinência – que
quase sempre os traz de volta ao vício -, monta-se um tratamento gradativo, de
redução gradual do consumo enquanto se trabalham o ambiente em que ele se
encontra, as relações sociais e familiares, devolvendo-lhe a auto-estima.. No
auge da onda ultraconservadora da mídia, o portal da revista Veja criminalizou
os estudos de uma professora da USP, quase septuagenária, que orientava uma
tese de doutorado sobre redução de danos. O tema mereceu repercussão no Jornal
Nacional. Haddad a trilhar o caminho civilizatório, lançando a Operação Braços
Aberto. Não fosse a defesa enfática dos estudos pela FAPESP (Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo) a carreira de ambas teria sido liquidada
pelo sensacionalismo e haveria atrasos de décadas nos programas de combate ao
vício. Nos anos seguintes, consolidou-se no centro de São Paulo o território
livre da Cracolândia. Foram feitas duas tentativas coercitivas do governo do
Estado, para acabar com o gueto. Os viciados apenas trocaram de local,
espalhando-se por bairros próximos ao centro. Depois, voltaram para o lugar de
origem. Foi essa sucessão de fracassos que levou o prefeito de São Paulo,
Fernando Haddad, a buscar formas alternativas. Em relação ao tratamento de
viciados, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divide-se em duas alas:
a da internação compulsória, e outra de tratamento humanizado. Reuniões com
especialistas, como Dartiu Silveira, e a ousadia da Secretaria de Assistência
Social, Luciana Temer, animaram A lógica do novo modelo é que o ambiente modela
as pessoas. Ou seja, mantidos na Cracolândia, não haveria nenhuma possibilidade
dos viciados se libertarem do vício. Colocados em locais dignos, com parte da
dignidade recuperada, emergiriam outras pessoas Em um primeiro momento,
espontaneamente os viciados saíram das ruas para hotéis, banharam-se, vestiram
roupas limpas. Uma ação conjunta das Secretarias de Assistência Social, da
Segurança Urbana, e da Coordenação de Subprefeituras, mais a de Trabalho e de
Saúde – em parceria com o governo do estado – criou a rede que será a base da
reciclagem dos viciados. Foram atendidos pelos serviços de saúde, para uma
primeira checagem e ganharam empregos temporários no sistema de varrição da
cidade, quatro horas de trabalho a R$ 15,00 por dia. Todos os passos do
programa foram negociados diretamente com eles, inclusive a promessa de não
mais voltarem para o local. Para tanto, Haddad abriu as portas da Prefeitura,
expôs a proposta, ouviu as ponderações. De uma viciada ouviu a promessa: “Se eu
largar o vício o senhor me garante emprego com carteira assinada?”. E o centro
da cidade amanheceu em paz. No dia seguinte, jornalistas incrédulos
testemunharam viciados ajudando a limpar a cidade. Despidos dos andrajos e da
sujeira, um deles foi reconhecido por um colega que fez doutorado com ele em
Portugal; outro foi localizado pela família, que o reconheceu em um programa de
televisão. Que o caminho aberto seja trilhado por outros prefeitos de boa
vontade.
Fonte:
www.luisnassif.com
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