“O
nosso Congresso peca em muitas matérias e o pecado é original. O pecado é
resultado do modelo eleitoral. Precisa-se urgentemente de uma profunda reforma
política e eleitoral. Não podemos continuar com maiorias no Poder Legislativo que
agem a favor de minorias ricas”
O editorial “Trabalho para o STF”, do jornal Folha de S. Paulo do dia 5 de março deste ano, chama a
atenção para o fato de que pelo menos cinco deputados federais que assumem a
presidência de comissões da Câmara dos Deputados estão respondendo a processos
no Supremo Tribunal Federal (STF).
Não entro no mérito se os referidos deputados cometeram crimes ou não.
São suspeitos, por isso os processos. Mas o cidadão comum, esse que vê em
qualquer um o uso da política como o caminho mais fácil ao sucesso financeiro e
pessoal, parece julgar a Câmara e os partidos com outros olhos. Julgam-na com
os olhos que “na política, ninguém presta”.
O mesmo jornal, no mesmo dia, traz um segundo editorial (“Preservar a
penhora”). Esse texto condena a postura de dois deputados federais (Nelson
Marquezelli, PTB-SP, e Alfredo Kaefer, PSDB-PR) que desejam mudar o disposto no
Código do Processo Civil.
O Código do Processo Civil, lei em vigor desde 2006, permite que a
penhora seja feita por via eletrônica. É um processo eficiente de execução de
condenados. Até essa data, a execução ficava a cargo muitas vezes da vontade do
oficial de Justiça, e da burocracia do poder Judiciário. Portanto, às vezes
eram remetidas as calendas gregas, o que dava tempo para que muitos condenados
(ricos) transferissem suas contas e seus bens para terceiros.
Ao se opor a esse tipo de execução, os deputados, aos olhos do povo,
principalmente daqueles que pensam que “na política ninguém presta”, estão
legislando em causa própria ou para uma minoria.
Coincidência ou não, a mesma Folha traz a matéria “Congresso tem pior
índice de produção em 10 anos”. O jornal abre a reportagem afirmando que apenas
seis projetos foram aprovados em forma conclusiva pela Câmara e pelo Senado nas
últimas quatro semanas.
A imprensa criou a cultura de que um Parlamento deve ser avaliado pelos
seus números: quantos projetos deram entrada, quantos foram aprovados, quantos
requerimentos apresentados, etc. Para um Parlamento, números não são parâmetros
de qualidade. Pode acontecer de, durante um ano, um Parlamento aprovar, depois
de extenso, profundo e qualitativo debate (não é o caso), meia dúzia de
projetos que repercutirão profundamente na vida das pessoas e da coletividade.
O nosso Congresso peca em muitas matérias e o pecado é original. O
pecado é resultado do modelo eleitoral. Precisa-se urgentemente de uma profunda
reforma política e eleitoral (tema para outro artigo). Não podemos continuar
com maiorias no Poder Legislativo que agem a favor de minorias ricas, quando
não em causa própria. Exemplo de ação em causa própria: orçamento impositivo.
O orçamento impositivo impõe ao Poder Executivo a obrigatoriedade do
pagamento de emendas apresentadas pelos deputados e senadores às suas “bases
eleitorais”. São emendas que formam o curral eleitoral e constituem uma relação
clientelista entre o deputado e os favorecidos.
Portanto, o interesse na execução
das emendas tem, muitas vezes, um caráter pessoal. Quanto maior o número de
emendas executadas, maior a possibilidade da exploração política das mesmas, e,
conseqüentemente, do número de votos. Ou seja, torna mais fácil a reeleição.
Sou contra as emendas impositivas. Melhor: sou contra emendas de
autorização de gastos no orçamento. O parlamentar deveria somente cumprir o seu
papel de legislador. Se quiser executar orçamento, que seja prefeito,
governador ou presidente.
Outro mau político causado pela emenda impositiva é que ela pode
espalhar-se para os legislativos estaduais e municipais. Imagine um município
de cerca de dois mil habitantes e um parco orçamento sendo dividido entre os
vereadores. Coitado do prefeito. Esse tipo de prática contribui para que o processo eleitoral seja injusto e antidemocrático. Nem todos concorrem em pé de igualdade.
Os três textos citados são sintomas de um Parlamento que não consegue
ganhar credibilidade junto aos cidadãos e cidadãs. Demonstram, sobretudo, a
necessidade de uma reforma política radical.
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