Rodrigo de Castro - comunicador da
ASA,
Foto: Bi Antunes|Arte em Movimento, Da janela, se avista a cisterna branca ao
lado da casa | Foto: João Roberto Ripper / Arquivo Asacom
A cisterna se transformou em um
símbolo do Semiárido brasileiro. Não um daqueles símbolos tradicionais,
manjados e perversos que vemos na tela da TV e páginas dos jornais e revistas
de grande circulação. Não estamos falando de galhos retorcidos e carcaças de
animais, tampouco solo rachado.
Estamos falando de um símbolo positivo, que
significa estruturação, adaptação a uma realidade a qual, se possui as suas
mazelas, ao mesmo tempo exibe muitas riquezas e potencialidades.
A cisterna é uma tecnologia
social, nascida de uma ideia muito simples: se a chuva cai somente em alguns
meses de forma concentrada, porque não guardá-la para usar quando ela não vem?
A beleza da tecnologia social é ser acessível a qualquer pessoa ou organização
que queira utilizá-la, e não ter que pagar nada para ninguém.
Feita de placas de cimento, é
muito resistente e facílima de construir, podendo ser construída por qualquer
pessoa apenas com orientações básicas. Assim, a ideia que nasceu da
cabeça de seu Nel, lá nos anos 1950, foi se desenvolvendo e se espalhando ao
longo dos anos.
E hoje, mais de seis décadas depois, se transformou em política
pública, graças à luta da sociedade civil organizada, principalmente através
das organizações da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Graças à atuação da ASA, buscando
convencer o poder público da importância de garantir um meio de prover água de
consumo humano a quem não tem, a cisterna ganhou envergadura, povoando as
pequenas propriedades do Semiárido brasileiro aos milhares (pouco mais de 500
mil construídas até 2013, somente pela ASA), e se transformou em lei. Em outras
palavras, o governo passou a ter a obrigação de investir na construção de
cisternas para a população.
A beleza maior da cisterna não é
apenas ter um meio de guardar água da chuva. O significado maior dela é o
protagonismo que ela proporciona aos agricultores e agricultoras, uma vez que
seu processo de implementação é participativo desde o primeiro instante.
Da mobilização e construção,
passando pelas capacitações, que valoriza e fortalece o saber das comunidades,
a cisterna é um verdadeiro instrumento de fortalecimento da agricultura
familiar. O alicerce, que garante a necessidade mais básica de todo ser humano,
a água para matar a sede.
Mas se engana quem pensa que a
cisterna é uma ação isolada. Garantir a água de beber é vital, porém é só o
primeiro passo. Toda família agricultora precisa de água para produzir na sua
terra, por isso a lógica de guardar, originada pela cisterna se desdobrou em
outras tecnologias sociais, como as cisterna-calçadão e cisterna-enxurrada, os
tanques de pedra, os barreiros trincheira e barragens subterrâneas.
O resultado disso é que, em pouco
mais de uma década de construção de cisternas em larga escala, estima-se que
mais de dois milhões de pessoas em todo o semiárido passaram a ter acesso à
água de consumo, do lado de casa, sem pagar nada a ninguém.
O impacto social desse dado
é difícil de expressar em palavras. Como explicar em poucas linhas o que
significa um ser humano conquistar o direito de ter acesso à água de qualidade?
Da mesma forma, um número cada vez maior de famílias vem conquistando meios
para sustentar sua produção agrícola, o que significa melhoria na qualidade da
alimentação e incremento de renda.
Fica claro que uma das chaves para
promover desenvolvimento no semiárido é a água. Se agirmos na perspectiva de
guardar água para usar nos meses de estiagem, é plenamente possível conquistar
qualidade de vida no sertão, bastando para isso se adaptar as condições
climáticas.Podemos dizer, assim, que a cisterna é um alicerce para o desenvolvimento da agricultura familiar, assim como um pilar para a política de convivência com o Semiárido.
A conjuntura atual é positiva. A
cisterna, desde 2013, é lei. É política pública, prevista no orçamento da
União. A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2014 como o Ano
Internacional da Agricultura Familiar, o primeiro ano internacional da ONU
promovido pela sociedade civil. Ou seja, a agricultura familiar, constituída
pelos pequenos agricultores e agricultoras, a base que verdadeiramente alimenta
a população, nunca esteve em tamanha evidência.
Essa é uma oportunidade histórica
para a sociedade civil, que somos todos nós, avançar na construção de uma
realidade mais digna para o Semiárido e o campesinato brasileiro. A luta é
antiga, e já assistimos a avanços e retrocessos. A cisterna é um instrumento de
libertação. Que ela seja também um alicerce, um ponto de partida para que cada
família, que já a conquistou, possa construir uma vida mais digna, e viver bem
na terra onde reside.
Fonte: http://www.asabrasil.org.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário