Após o Supremo Tribunal
Federal (STF) declarar inconstitucionais as doações de empresas para campanhas
políticas, a presidenta Dilma Rousseff vetou, na terça-feira 29, o inciso da
chamada “Lei da Reforma Eleitoral”, aprovada pelo Congresso, que permitia esse
tipo de financiamento.
Em sua justificativa, ela
argumentou que ouviu o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União (AGU)
sobre o assunto, e que a contribuição de corporações no processo eleitoral
“confrontaria a igualdade política”. Para analisar as mudanças trazidas por
essas novas regras, conversamos com José Antônio Moroni, cientista político e
membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudo Econômicos e Sociais
(Inesc).
O especialista falou sobre
os prejuízos causados à população com a interferência do poder econômico nas
decisões de interesse público, avaliou o que será alterado nas estratégias de
campanha para ganhar o eleitor e ressaltou ainda o perfil padronizado dos
candidatos e a necessidade de garantir na disputa mais mulheres, negros e
outros grupos historicamente excluídos.
Na opinião de Moroni, o
fim das doações de pessoas jurídicas é um grande passo, mas exige também uma
fiscalização aprofundada para assegurar transparência na prestação de contas
dos partidos. Ele acrescentou que é preciso reestruturar o modo com que a
política é tratada no Brasil para que possa, de fato, atender aos anseios
populares e contribuir para a superação das desigualdades. Confira
a entrevista na íntegra.
As campanhas eleitorais no
Brasil estão entre as mais caras do mundo. E, em 2014, apenas dez empresas
foram responsáveis pelo financiamento de 70% dos deputados federais eleitos. Quais
os prejuízos desse modelo para o cidadão comum?
Vamos selecionar três
prejuízos, mas tem muitos outros. O primeiro é que as empresas colocam nos seus
custos essas “contribuições”, isso é, quando compramos um produto está embutido
no preço desse produto todos os custos e lucros das empresas que interagiram na
criação, fabricação, distribuição e venda. Se as contribuições estão embutidas
nos custos no final, quem está pagando somos nós, que compramos esses produtos.
O mesmo acontece com as obras públicas, que são pagas por nós através dos
impostos.
O segundo é que muitos dos
recursos que entram para financiar as campanhas entram no chamado ‘caixa dois’,
pois são de origem ilegal, principalmente da sonegação e corrupção. Portanto,
recursos que deviam ter pagado impostos para financiar políticas públicas e não
pagaram. Daí não tem recursos para saúde, para educação, para saneamento, para
cultura, para lazer etc.
E o terceiro é que o
financiamento empresarial das campanhas acaba com a soberania popular e
distorce a vontade do/a eleitor/a. Pois na verdade quem decide os resultados
das eleições, com raras exceções, é o poder econômico. As campanhas se tornaram
grandes máquinas, grandes estruturas que mobilizam milhões, inviabilizando as
campanhas feitas com poucos recursos. De que modo o fim do financiamento empresarial fará diferença nas próximas eleições, começando já em 2016?
Primeiro, vai obrigar os
partidos a repensarem as suas estratégias de campanhas, não mais pensadas como
grandes estruturas de marketing e mais com propostas que possam atrair o/a
eleitor/a. No médio prazo, vai obrigar os partidos a terem base social e
política na sociedade, terminando com os partidos que só aparecem nas épocas
das eleições.
Mas a sociedade tem que
fazer a sua parte e a justiça eleitoral também, que é a fiscalização para que
não se tenha o ‘caixa dois’ das campanhas e outros abusos, como por exemplo, as
chamadas personalidades que têm programas de TV e rádio, pastores etc.
As campanhas deverão ficar
mais baratas e, portanto, mais equilibradas. Em sua opinião, que estratégias
serão utilizadas pelos candidatos para tentar se sobressair nessa disputa?
Com certeza as campanhas
vão ter que ficar mais baratas porque trancou a fonte do dinheiro fácil. Com
isso, as candidaturas e os partidos vão ter que ter vida permanente e não
apenas nas eleições. Vai vencer quem tiver contato permanente com a população,
dialogando, construindo propostas e, depois de eleito, prestando contas.
São mudanças que vão
ocorrer a médio e longo prazo, não são imediatas. Outra questão é referente aos
partidos que são criados somente para captar dinheiro. Afinal, as eleições são
grandes negócios com o financiamento empresarial. Eles não terão mais sentido
de existir – para nós, nunca tiveram sentido -, mas os que foram criados com a
lógica de lucrar não vão ter mais sentido.
Existe uma carência de
representatividade bastante séria de mulheres, negros, indígenas e outros
grupos historicamente excluídos da política nacional. Essa realidade tende a
mudar?
Uma das questões que
ocasionam essa sub-representação é a desigualdade no financiamento das
campanhas. Afinal, as empresas não colocam recursos nas campanhas das mulheres
pobres, na população negra, nos povos indígenas etc. Mas não é só isso. Mesmo
acabando o financiamento empresarial, é necessário ter uma mudança da cultura
política e da forma como a sociedade vê esses segmentos.
Vivemos numa sociedade
machista, racista, homofóbica e, agora, se mostrando xenofóbica. Para mudar
isso, além de mudar as regras eleitorais, precisamos mudar essa sociedade. Mas
não podemos ficar esperando a sociedade mudar.
Por isso, é necessário ter
mecanismos que enfrentem essas sub-representações, que pode ser a paridade
entre homens e mulheres, o parlamento indígena – onde os próprios povos
indígenas escolhem a sua representação -, percentual de representantes da
população negra igual [ao restante da] população etc.
O fato é que não podemos
continuar a ter um poder no Brasil de homens, brancos, proprietários, ricos,
urbanos, heterossexuais. A sociedade é mais complexa que isso. Vale ressaltar
que esse perfil do poder não é apenas no Congresso, é também no Judiciário, no
Executivo, em todas as instâncias de poder, sejam elas públicas, das empresas
ou da própria sociedade.
Além de proibir as doações
de pessoas jurídicas, que outras medidas seriam necessárias para garantir
lisura no processo eleitoral? Criminalização do ‘caixa dois’, por exemplo?
Sim. A criminalização do
‘caixa dois’ é uma das medidas. Inclusive essa proposta consta na iniciativa
popular pela reforma política democrática e eleições limpas. Precisamos criar
instâncias com a participação paritária da sociedade, na justiça eleitoral para
a fiscalização tanto do processo eleitoral como das prestações de contas.
Precisamos ter partidos e
representantes com densidade social e, por isso, preocupados com a prestação de
contas de seus atos na sociedade como um todo. Mas uma coisa é certa: o que
acontece nos processos eleitorais não é muito diferente do que acontece em
outras esferas. Em outras palavras, os mesmos vícios que acontecem nos espaços
de poder acontecem em outros espaços da sociedade.
Precisamos nos colocar num
movimento de refundar, recriar a nossa sociedade, baseada nos princípios da
igualdade, da solidariedade, da não discriminação, do não preconceito.
Portanto, uma sociedade radicalmente democrática, mas não criamos isso se não
enfrentarmos todas as formas de desigualdades.
Que sejam econômicas,
raciais, de desejos sexuais, de deficiências, de idade, de local de onde você
é. Só vamos conseguir isso com muita luta discussões, formação e, com certeza,
com muitos conflitos. Não vamos sair dessa sem conflitos. Por Maíra Streit
Fonte: Revista Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário