O golpe de 1964
no Brasil teve apoio de parcelas importantes das igrejas. Essa foi uma das
conclusões da segunda série de depoimentos, nesta terça-feira (17), durante
audiência pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual
da Verdade, na sede Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de
Janeiro (Caarj), no prédio da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Rio de Janeiro, no centro da
capital fluminense. A educadora Letícia Cotrim, o pastor emérito presbiteriano
Zwinglio Motta e o pastor luterano Mozzart Noronha relatam experiências que
vivenciaram durante a ditadura militar. Letícia ficou presa por 14 dias no
Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-Codi), uma semana no quartel da Polícia Militar no centro do Rio e
um mês e três dias em um quartel do Exército em Petrópolis, na região serrana
fluminense. Apesar de ter recebido apoio de integrantes de destaque da Igreja
Católica, como dom Aloísio Lorscheider, ela disse que parte da igreja ficou
omissa. “Foram pessoas que nos ajudaram em uma hora de sofrimento. Eu tive
isso, mas não quer dizer que a igreja era homogênea. Houve quem deu e quem não
deu apoio. Foi pedido por mim a dom Eugênio Sales, e dom Eugênio não deu apoio
para falar com quem tinha me prendido, que eu tinha uma história na igreja. Eu
fui dada como uma pessoa subversiva e que não estava acontecendo nada comigo,
quando na verdade estava”, disse Letícia, que participou desde a adolescência
do Movimento Ação Católica. Zwinglio Motta chegou a ser expulso da Igreja
Presbiteriana do Brasil por defender questões contrárias às posições
conservadoras da instituição. O pastor disse que foi preso por ser irmão de
Ivan Motta Dias, militante desaparecido político, e, de acordo com informações
levantadas pela família, foi morto em um dos locais de tortura em Petrópolis.
"A repressão queria saber onde estava ele. Tentava por todos os meios e
não conseguia. Descobriu-me, alguém me delatou, e fui preso por isso”,
declarou. Para Zwinglio, o trabalho da comissão em apurar a atuação da igreja
no período da ditadura e no golpe de 1964 é importante para a história política
do país. “Recuperar a memória é muito importante para que as gerações futuras
tenham acesso ao que aconteceu para que isso não volte a se repetir”, disse o
pastor emérito que depois, junto com 80 religiosos, fundou a Igreja
Presbiteriana Unida. O pastor luterano Mozzart Noronha, que fez parte de um
movimento de resistência dentro das igrejas protestantes, também falou sobre a
falta de apoio da instituição. Ele disse que recebeu suporte apenas de pessoas
envolvidas com o movimento ao qual pertencia. “A igreja oficial não me deu
nenhum apoio, mas aquela comprometida, que nós chamamos a do Cristo fora dos
muros. Pessoas e indivíduos, embora membros da igreja, mas não respondiam
institucionalmente por ela, essas pessoas nos deram apoio, não somente no tempo
da nossa atuação clandestina contra a ditadura, mas também fora do país”,
declarou o pastor que precisou se mudar para a Europa. O coordenador do Grupo
de Trabalho Papel das Igrejas durante a Ditadura, na Comissão Nacional da
Verdade, Anivaldo Padilha, disse que os depoimentos confirmam que as igrejas
tiveram postura contraditória, algo surpreendente porque era de se esperar que
tivessem uma posição clara contra a violação dos direitos humanos, a tortura,
assassinatos e desaparecimentos forçados. E isso, segundo ele, não ocorreu.
“Alguns setores importantes das igrejas apoiaram a ditadura e setores
minoritários se opuseram à ditadura", destacou. Para o professor de
direitos humanos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e membro da Comissão
Estadual da Verdade, João Dornelles, a participação das igrejas se modificou
com o trabalho de integrantes que se opunham aos militares e desenvolveram
trabalhos com movimentos sociais de atuação mais política. "Surgiu, a
partir da Igreja Católica, uma série de instituições que passou a cumprir um
papel de denúncia de violação de direitos humanos, e a própria CNBB
[Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] se posicionando contra a ditadura,
principalmente no decorrer dos anos 1970, na luta pela anistia e libertação dos
presos políticos, junto com igrejas presbiterianas e metodistas”, analisou.
Fonte: Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil
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