A atual seca no
semiárido é uma das mais duras dos últimos 60 anos, mas chegar à essa conclusão
por causa daquelas clássicas imagens de bois e vacas mortos na caatinga não faz
sentido. As duas constatações acima são de gente que entende e convive com o
tema. A primeira é do Instituto Nacional de Meteorologia. "É razoável
afirmar que esta última seca do semiárido do Brasil figura entre os eventos
mais severos dos últimos 60 anos, tanto pelo aspecto do volume de chuvas quanto
pela extensão da área atingida, principalmente em 2012", afirma o
meteorologista Mozar de Araújo Salvador. Segundo o instituto, desde as
mediações de 1961, o ano de 1993 pode ser considerado o ano de seca mais severa
na maior parte do Nordeste. Em seguida aparecem no ranking 2012, 1983 e 1998. Roberto
Malvezzi, autor de livros e artigos sobre as secas nordestinas e consultor da
Comissão Pastoral da Terra para assuntos hídricos, concorda com o Inmet e diz
que uma nova e pesada estiagem voltará "lá pelo ano de 2050". O que
ele não admite é ver a imprensa resumir a seca a imagens de gado morto.
"Essa região nunca foi local adequado para se criar bois e vacas. Há uma
comparação feita pelos educadores populares nos cursos de formação com uma
estatística bem simples: um boi come por sete bodes, bebe por sete bodes, ocupa
o espaço de sete bodes. Quando morre um boi, morre o equivalente a sete
bodes", diz o pesquisador. Para Malvezzi, a eventual imagem na TV de um
bode morto, aí sim, mostrará a terra arrasada no semiárido. "Nessa seca os
bois estão morrendo, os bodes estão gordos. O animal é adaptado, suporta as
secas, mesmo que sua criação seja contestada por muitos técnicos como sendo um
animal daninho e ameaçador da biodiversidade. Mas isso, dizem os técnicos do
movimento social, é um problema de manejo, não de adaptação", completa, em
recente texto sobre o tema. A criação de bodes, e não de bois, seria mais uma
adaptação do sertanejos para encarar as fortes secas. Adaptações, aliás, que
vêm se avolumando nas últimas décadas e, apesar de estiagens tão duras, tirara
da realidade do país a emigração em massa de flagelados, saques a armazéns,
imagens de crianças esqueléticas na TV e de famílias se alimentando apenas de
farinha, calangos, preás e pombas. Como escreveu Marco Antonio Villa no livro
"Vida e Morte no Sertão", as estiagens dos séculos 19 e 20 promoveram
um "massacre de milhões de nordestinos". Nos últimos 30 anos, porém,
quando a população rural do país passou da faixa dos 50% para 18%, os
sertanejos ganharam direito a aposentadoria rural, programas de transferência
de renda, energia elétrica no campo e, claro, milhares de cisternas. Tudo isso
ajudou a amenizar os efeitos da estiagem. Com dinheiro no bolso (mesmo que
sejam trocados), é possível comprar o alimento (sem depender da lavoura de
subsistência no quintal) e principalmente a água. Hoje, se a chuva não enche a
cisterna, o sertanejo pode pagar R$ 100 a um dono de carro-pipa para abastecer
seu reservatório com água suficiente para alguns meses. Mas ainda falta muita
coisa, como universalizar as cisternas de consumo e de produção e cortar a
região com adutoras. Não adianta água no açude se ela não chega diretamente às
torneiras.
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