(Exclusivo) O papa Francisco recebeu discretamente
no Vaticano, há cerca de um mês, a visita do principal líder da Teologia da Libertação,
o religioso peruano Gustavo Gutierrez. Integrante da Ordem Dominicana, o padre
Gustavo tornou-se, nos anos 70, o primeiro teólogo a sistematizar essa corrente
no interior da Igreja Católica Romana. A sua visita ao Papa aconteceu de modo
informal, fora da agenda oficial do pontífice. Contudo o significado político
dessa reunião é evidente e representa o apoio explícito dos teólogos da
libertação à opção pelos pobres, já oficializada por Francisco como a diretriz
fundamental de sua gestão como chefe da Igreja. O apoio ao atual Papa vem sendo
articulado desde antes da eleição vaticana. Quando o nome do cardeal Bergoglio
foi anunciado, bispos. teólogos e outras personalidades ligadas à Teologia da
Libertação deram publicamente declarações em que afirmavam a sua expectativa de
uma administração que pudesse tirar o Catolicismo de sua pior crise desde o
século 19. Quem mudou? Ao
receberem a informação sobre o encontro entre o Papa e Gutierrez, vários
teólogos brasileiros e europeus perguntaram também de modo informal quem teria
mudado, se teria sido Francisco ou os teólogos da libertação. Na verdade, ambos
mudaram. O Papa assumiu o discurso anticapitalista da Teologia da Libertação e
confirmou a opção pelos pobres. Os teólogos reafirmaram de modo mais amenizado
o recurso a categorias dialéticas para a leitura crítica da realidade. Teologia da Libertação é a versão
latino-americana de correntes progressistas na Igreja: Pela
primeira vez, na história da Igreja Católica na América Latina, a doutrina foi
sistematizada fora dos padrões e do controle do centro de poder romano. Isto
aconteceu com o movimento teológico-político que se tornou conhecido como a
Teologia da Libertação (TL), resultante de pesquisas, debates e de outras
atividades de caráter ecumênico. A primeira formulação da TL foi feita
pelo teólogo peruano Gustavo Gutierrez, em julho de 1968. Três anos
depois foi publicado seu texto Teologia de La Liberación, que se
tornou um sucesso editorial. Um trabalho semelhante ao de Gutierrez também foi
feito, nos primórdios da TL, por vários teólogos e filósofos católicos e
evangélicos, entre os quais Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo
e Clodovis Boff (Brasil), Jon Sobrino e Ignacio Ellacuria (El Salvador),
Segundo Galilea, Juan Luis Segundo e Julio de Santa Ana (Uruguai), Ronaldo
Muñoz (Chile), Pablo Richard (Chile e Costa Rica), José Miguel Bonino e Juan
Carlos Scannone (Argentina), Enrique Dussel (Argentina e México). Entre os
brasileiros, destacaram-se também, no campo evangélico, os nomes de Jether
Pereira Ramalho, Zwinglio Dias, Hugo Assmann e Anivaldo Padilha. É consenso
entre esses teólogos que falar da Teologia da Libertação “é buscar uma resposta
para a pergunta: que relação existe entre a salvação e o processo histórico de
libertação do ser humano”. Essa obra tornou-se um paradigma para toda uma
reflexão que muda o método teológico (não só a partir das ideias, mas a partir
da realidade). O sistema dominante na América Latina logo percebeu a dimensão
sócio-política transformadora da TL. A sua expansão foi, por exemplo, um dos
temas da Missão Rockfeller, que Nixon enviou à América Latina nos anos 60. As
ditaduras militares latino-americanas também assumiram esta pauta em nome da
contenção do “comunismo internacional”. Entretanto, como resultados concretos
da TL surgiram e cresceram as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais
sociais. Também, em grande parte, movimentos sociais como o dos Sem Terra são
herdeiros dessa nova visão teológica. Na Igreja, a reação contra a TL
articulou-se já a partir de 1982 e ganhou força com a eleição de João Paulo II,
em 1978. A influência da TL fez-se sentir em 1979 na vitória da Revolução
Sandinista contra a ditadura de Somoza, na Nicarágua, que teve uma participação
destacada de padres e leigos. Um dos principais seguidores da TL, o arcebispo
salvadorenho d. Oscar Romero, foi assassinado em 24 de março de 1980, enquanto
celebrava a missa. Paralelamente, no Vaticano, a Congregação para Doutrina da
Fé reagiu à TL, particularmente a partir de denúncias feitas por bispos
latino-americanos voltadas, sobretudo, para os teólogos Gustavo Gutierrez e
Leonardo Boff. O Vaticano tentou, sem sucesso, que os bispos peruanos
condenassem Gutierrez. Boff, no entanto, foi silenciado e a Congregação publicou,
em 6 de agosto de 1984, uma Instrução sobre alguns aspectos da teologia da
libertação, que, apesar das críticas, afirma, em seu primeiro parágrafo; “A
poderosa e quase irresistível aspiração dos povos a uma libertação constitui um
dos principais sinais dos tempos que a Igreja deve discernir e interpretar à
luz do Evangelho”. Porém, o aspecto essencial da TL é seu enfoque político
transformador, ao conceber o Cristianismo, não como uma ideologia legitimadora
do status quo, mas como um suporte para a libertação concreta dos
seres humanos, diante de todas as opressões a que é submetido. Recolhendo
alguns eixos do pensamento marxista, a TL faz, igualmente, uma leitura
dialética da realidade, sempre tendo a Bíblia como referência fundamental. A
descoberta do marxismo pelos cristãos progressistas e pela TL não foi um
processo puramente intelectual ou universitário. O seu ponto de partida foi um
fato social: a realidade da pobreza na América Latina e a tentativa de, ao
identificar as causas dessa situação, tentar superá-la. Alguns dos teólogos da
Libertação (influenciados por Althusser) referem-se ao marxismo simplesmente
como uma (ou a) ciência social, utilizada, de modo estritamente instrumental,
para conhecer melhor a realidade latino-americana. Outros destacam, igualmente,
os valores do marxismo, suas opções ético-políticas e seu anúncio de uma
utopia. Esses teólogos são atraídos mais pelo neo-marxismo do que pelo marxismo
ortodoxo e tradicional. Entre os autores marxistas, Emst Bloch é o mais citado
nas obras da TL, registrando-se também referências a Althusser, Marcuse,
Lukács, Gramsci, Henri Lefèbvre, Garaudy, Schaff, Kolakowski, Lombardo-Radice,
Luporini, Sanches Vasquez, Fanon, Lucien Goldmann e Ernest Mandel. No marxismo
latino-americano, as principais referências para a TL são o peruano José Carlos
Mariátegui - com sua interpretação original do marxismo - a revolução cubana e
a teoria da dependência, de Fernando Henrique Cardoso, André Gunder Franck,
Theotônio dos Santos e Anibal Quijano. Opção
pelos pobres: No binômio opressor/oprimido, Gutierrez e os outros
teólogos da libertação, priorizam os pobres como sujeito central de sua própria
libertação. A preocupação pelos pobres remonta às origens do Cristianismo, mas
os teólogos da libertação não os consideram como objeto de filantropia, mas
como sujeito de sua própria emancipação. Convergem, assim, para a idéia
histórica marxista de que a emancipação dos trabalhadores será uma obra dos
próprios trabalhadores. Por outra parte, esses teólogos manifestam um
anticapitalismo mais radical e categórico que dos próprios partidos comunistas
latino-americanos, ainda crentes no perfil progressista da burguesia industrial
e no papel histórico do desenvolvimento industrial capitalista.

 
 
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