quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Exclusivo: especulação desestabiliza preços de alimentos, diz Graziano


Em entrevista, diretor-geral da FAO e ex-ministro do governo Lula colocam erradicação da fome no mundo como um dos elementos centrais de sua gestão e afirma que problema é de vontade política; São Paulo – Diretor-geral da FAO, a agência das Nações Unidas que trata de alimentação e agricultura, há quase dois anos, o brasileiro José Graziano tem um problema para controlar: um orçamento relativamente pequeno, US$ 1 bilhão em recursos regulares, para um problema que aflige 840 milhões de seres humanos – sobre um total de 7 bilhões. E um problema que não controla: o vaivém nos preços de alimentos. “O mercado financeiro está entre os responsáveis pela subida dos preços dos alimentos. Não exatamente pela subida, mas pela volatilidade dos preços”, afirma em entrevista à RBA, à Revista do Brasil, à Rádio Brasil Atual, à TVT e ao jornal ABCD Maior, em São Paulo. Não se trata de uma declaração ao vento: a FAO teve dificuldades em comprovar, e mais ainda em debater publicamente, a relação entre os agentes do mercado financeiro e a oscilação que tanto prejudica o combate à fome e a pobreza. Entre 2002 e 2008, o índice global de preços de alimentos calculado pela agência da ONU subiu sem parar, até chegar a 201,4 pontos, mais que o dobro do registrado seis anos antes. De lá para cá, oscilou bastante, sempre em níveis muito altos. Se antes a FAO relutava em falar abertamente sobre a influência que a venda de commodities em bolsas de valores mundo afora tem sobre aquilo que vai diariamente para a mesa de bilhões de pessoas, Graziano parece abrir o jogo a respeito, ainda que dentro dos limites impostos pelo cargo: o uso de grãos, em especial o milho, para produção de combustíveis na Europa e nos Estados Unidos foi o grande fator utilizado pelos agentes especulativos para provocar uma alta que dura até hoje. Para solucionar o caso, adverte, será necessário que Estado e sociedade controlem seus bancos e seus mercados. De volta ao problema que lhe compete controlar, Graziano coloca a erradicação da fome como uma das cinco metas centrais de seu mandato, que se estende até 2015. A autoridade de quem implementou o Fome Zero, fator fundamental na campanha brasileira para chegar à FAO, empresta-lhe autoridade para cobrar: “O maior ingrediente que falta no menu do combate à fome é a vontade política. Isso eu acho que o Brasil mostrou muito claramente.” Durante a entrevista, concedida ontem (10), Graziano abordou ainda o Ano Internacional da Agricultura Familiar, celebrado em 2014, e sua rotina à frente da FAO. O senhor assumiu a direção geral da FAO em 2012. Quais foram às prioridades estabelecidas e no que foi possível avançar até agora? Estou na FAO desde 1º de janeiro de 2012, há praticamente dois anos. Quando eu cheguei à FAO ela tinha, e ainda tem uma atuação muito dispersa. No último biênio, nosso orçamento anual é bianual. Nós temos mais ou menos US$ 1 bilhão de recursos regulares que os países contribuem e mais US$ 1,5 bilhão de recursos voluntários que basicamente são dedicados para emergências. Desse total de 2,5 bilhões de dólares, nós distribuímos entre os 197 afiliados. É a organização dentro das Nações Unidas que tem maior número de afiliações. Nós distribuímos esses recursos entre os países, obviamente, de maneira não proporcional. Os mais pobres recebem mais atenção, porque isso sempre foi uma prioridade da FAO. Principalmente os países africanos da região do Sahel, do chifre da África.
Quando eu cheguei a FAO tinha listado 10 mil atividades no biênio. Se dividir as contas, isso dá mais ou menos US$ 100 para cada país. É nada. Nós trabalhávamos quase como uma ONG, fazendo coisinhas aqui e coisinhas ali. Hoje eu consegui aprovar por unanimidade na nossa última conferência, em julho, que acabou de ser confirmado agora no nosso conselho de dezembro, um plano de trabalho focado em cinco prioridades: a primeira é a erradicação da fome. É uma novidade, porque até então a luta da FAO era reduzir a fome e os países chegaram à conclusão que a fome não tem conversa, não tem meio termo, temos que erradicá-la. Nós podemos erradicar. O mundo hoje produz mais do que o suficiente para alimentar todo mundo e ainda joga fora um terço do que produz. Então não tem por que ter gente com fome. Segundo, ter uma produção mais sustentável. Nós aumentamos muito a produção e a produtividade agrícola. Basicamente desde os anos 1960, com a Revolução Verde, a FAO aumentou 40% da produtividade per capita de grãos, o que é uma enormidade, quase dobra. No entanto, o impacto sobre o meio ambiente é muito alto. Os químicos, a erosão do solo, a poluição de águas e a destruição de florestas. Nós estamos hoje revendo esse modelo para um modelo socialmente mais justo, mas também ambientalmente mais protecionista. A terceira prioridade é reduzir a pobreza rural. O mundo concentra a pobreza hoje nos rincões rurais. Desde o Brasil até quaisquer outros países do mundo, a pobreza está na zona rural e é na zona rural que também estão os produtores de alimentos. No entanto, nós temos 70% da nossa gente que produz passando fome. São esses disparates que nós estamos tentando corrigir. Por exemplo, na África 90% da população pobre está no meio rural. A quarta é ter sistemas alimentares mais inclusivos. Hoje as cadeias alimentares são muito concentradas em grandes monopólios da produção de sementes à distribuição no varejo. A FAO está lutando por um modelo de produção e consumo mais local, de acesso aos mercados locais. Nós temos feito vários acordos, um deles, por exemplo, com o movimento do Slow Food, que luta por o que eles chamam de transporte zero. A ideia de que cada localidade tem que buscar produzir o alimento que ela necessita consumir, valorizando os produtos regionais, os costumes, os hábitos alimentares. A quinta prioridade é a resiliência. Resiliência é a capacidade de a população resistir aos impactos das mudanças climáticas. Nós estamos cansados de trabalhar de inundação em inundação e de seca em seca. Às vezes nós temos, em um mesmo ano, em um país uma seca e uma inundação, como ocorre na região do Sahel. É uma região desértica, mas na época das chuvas são três meses concentrados de muitas chuvas com inundação e depois são nove meses de seca absoluta. Isso tem solução. Não de fazer chover melhor etc, mas de armazenar a água, de evitar que a seca se transforme em fome.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br

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