Em
entrevista, diretor-geral da FAO e ex-ministro do governo Lula colocam
erradicação da fome no mundo como um dos elementos centrais de sua gestão e
afirma que problema é de vontade política; São
Paulo – Diretor-geral da FAO, a agência das Nações Unidas que trata de
alimentação e agricultura, há quase dois anos, o brasileiro José Graziano tem
um problema para controlar: um orçamento relativamente pequeno, US$ 1 bilhão em
recursos regulares, para um problema que aflige 840 milhões de seres humanos –
sobre um total de 7 bilhões. E um problema que não controla: o vaivém nos
preços de alimentos. “O mercado financeiro está entre os responsáveis pela
subida dos preços dos alimentos. Não exatamente pela subida, mas pela
volatilidade dos preços”, afirma em entrevista à RBA, à Revista do Brasil, à
Rádio Brasil Atual, à TVT e ao jornal ABCD Maior, em São Paulo. Não se trata
de uma declaração ao vento: a FAO teve dificuldades em comprovar, e mais ainda
em debater publicamente, a relação entre os agentes do mercado financeiro e a
oscilação que tanto prejudica o combate à fome e a pobreza. Entre 2002 e 2008,
o índice global de preços de alimentos calculado pela agência da ONU subiu sem
parar, até chegar a 201,4 pontos, mais que o dobro do registrado seis anos
antes. De lá para cá, oscilou bastante, sempre em níveis muito altos. Se antes
a FAO relutava em falar abertamente sobre a influência que a venda de
commodities em bolsas de valores mundo afora tem sobre aquilo que vai
diariamente para a mesa de bilhões de pessoas, Graziano parece abrir o jogo a
respeito, ainda que dentro dos limites impostos pelo cargo: o uso de grãos, em
especial o milho, para produção de combustíveis na Europa e nos Estados Unidos
foi o grande fator utilizado pelos agentes especulativos para provocar uma alta
que dura até hoje. Para solucionar o caso, adverte, será necessário que Estado
e sociedade controlem seus bancos e seus mercados. De volta ao problema que lhe
compete controlar, Graziano coloca a erradicação da fome como uma das cinco
metas centrais de seu mandato, que se estende até 2015. A autoridade de quem
implementou o Fome Zero, fator fundamental na campanha brasileira para chegar à
FAO, empresta-lhe autoridade para cobrar: “O maior ingrediente que falta no
menu do combate à fome é a vontade política. Isso eu acho que o Brasil mostrou
muito claramente.” Durante a entrevista, concedida ontem (10), Graziano abordou
ainda o Ano Internacional da Agricultura Familiar, celebrado em 2014, e sua
rotina à frente da FAO. O senhor
assumiu a direção geral da FAO em 2012. Quais foram às prioridades
estabelecidas e no que foi possível avançar até agora? Estou na FAO
desde 1º de janeiro de 2012, há praticamente dois anos. Quando eu cheguei à FAO
ela tinha, e ainda tem uma atuação muito dispersa. No último biênio, nosso
orçamento anual é bianual. Nós temos mais ou menos US$ 1 bilhão de recursos
regulares que os países contribuem e mais US$ 1,5 bilhão de recursos
voluntários que basicamente são dedicados para emergências. Desse total de 2,5
bilhões de dólares, nós distribuímos entre os 197 afiliados. É a organização
dentro das Nações Unidas que tem maior número de afiliações. Nós distribuímos
esses recursos entre os países, obviamente, de maneira não proporcional. Os
mais pobres recebem mais atenção, porque isso sempre foi uma prioridade da FAO.
Principalmente os países africanos da região do Sahel, do chifre da África.
Quando eu cheguei a FAO tinha listado 10 mil atividades no biênio. Se
dividir as contas, isso dá mais ou menos US$ 100 para cada país. É nada. Nós
trabalhávamos quase como uma ONG, fazendo coisinhas aqui e coisinhas ali. Hoje
eu consegui aprovar por unanimidade na nossa última conferência, em julho, que
acabou de ser confirmado agora no nosso conselho de dezembro, um plano de
trabalho focado em cinco prioridades: a primeira é a erradicação da fome. É uma
novidade, porque até então a luta da FAO era reduzir a fome e os países
chegaram à conclusão que a fome não tem conversa, não tem meio termo, temos que
erradicá-la. Nós podemos erradicar. O mundo hoje produz mais do que o
suficiente para alimentar todo mundo e ainda joga fora um terço do que produz.
Então não tem por que ter gente com fome. Segundo, ter uma produção mais
sustentável. Nós aumentamos muito a produção e a produtividade agrícola.
Basicamente desde os anos 1960, com a Revolução Verde, a FAO aumentou 40% da
produtividade per capita de grãos, o que é uma enormidade, quase dobra. No
entanto, o impacto sobre o meio ambiente é muito alto. Os químicos, a erosão do
solo, a poluição de águas e a destruição de florestas. Nós estamos hoje revendo
esse modelo para um modelo socialmente mais justo, mas também ambientalmente
mais protecionista. A terceira prioridade é reduzir a pobreza rural. O mundo
concentra a pobreza hoje nos rincões rurais. Desde o Brasil até quaisquer
outros países do mundo, a pobreza está na zona rural e é na zona rural que
também estão os produtores de alimentos. No entanto, nós temos 70% da nossa
gente que produz passando fome. São esses disparates que nós estamos tentando
corrigir. Por exemplo, na África 90% da população pobre está no meio rural. A quarta
é ter sistemas alimentares mais inclusivos. Hoje as cadeias alimentares são
muito concentradas em grandes monopólios da produção de sementes à distribuição
no varejo. A FAO está lutando por um modelo de produção e consumo mais local,
de acesso aos mercados locais. Nós temos feito vários acordos, um deles, por
exemplo, com o movimento do Slow Food, que luta por o que eles chamam de
transporte zero. A ideia de que cada localidade tem que buscar produzir o
alimento que ela necessita consumir, valorizando os produtos regionais, os
costumes, os hábitos alimentares. A quinta prioridade é a resiliência.
Resiliência é a capacidade de a população resistir aos impactos das mudanças
climáticas. Nós estamos cansados de trabalhar de inundação em inundação e de
seca em seca. Às vezes nós temos, em um mesmo ano, em um país uma seca e uma
inundação, como ocorre na região do Sahel. É uma região desértica, mas na época
das chuvas são três meses concentrados de muitas chuvas com inundação e depois
são nove meses de seca absoluta. Isso tem solução. Não de fazer chover melhor
etc, mas de armazenar a água, de evitar que a seca se transforme em fome.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br
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