segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Menos de 5% voltam aos cofres


Por Daniel Motta, População paga o preço com educação de má qualidade, saúde precária e falta de estrutura nas cidades

De tudo o que a corrupção retira da sociedade, menos de 5% é ressarcido, segundo o desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba e coordenador do Mutirão Meta 18, Aloisio Bezerra. A população é quem paga o preço, sendo obrigada a conviver com problemas, como educação de má qualidade, saúde precária e aumento da miserabilidade, presentes em muitos municípios do Estado. “Quando ocupam os cargos, os gestores geralmente declaram que não possuem bens e depois investem os recursos públicos em negócios que são colocados em nomes de terceiros, para que não sejam descobertos. Por conta disso, é difícil identificar para onde os recursos foram desviados. O enriquecimento ilícito do gestor demonstra que ele está usando o dinheiro público e, quando condenados, muito pouco acaba sendo ressarcido. Estimamos que de tudo que é desviado, só volta aos cofres públicos algo em torno de 3% a 5%, o que não representa quase nada diante do que é roubado”, explicou o juiz. Conforme o procurador-chefe da Advocacia Geral da União (AGU) na Paraíba, Fabio Leite de Farias Brito, de dezembro de 2012 a novembro deste ano, foram ajuizadas pelo órgão, 66 ações, que resultaram em débito de pouco mais de R$ 3 milhões. Mesmo assim, os acusados ainda não executaram os pagamentos. Segundo o procurador, além de desviarem os recursos, quando são cobrados os valores para ressarcimento, os responsáveis ainda atrasam. “Há uma dificuldade muito grande por parte dos devedores em saldar as dívidas, porque é difícil por conta da ausência de patrimônio. Eles maquiam o patrimônio, colocam os bens em nome de terceiros. Mas o Estado em busca de combater a má gestão. Os órgãos que atuam na fiscalização e no combate têm trabalhado e alcançado bons resultados”, frisou o procurador Fábio Leite. O chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Fábio da Silva Araújo, afirma que desde que o Programa de Fiscalização através de sorteios foi criado, em 2003, já foram auditados recursos na ordem de R$ 667 milhões em 83 municípios, alvos de denúncias de má administração do dinheiro público. Ele ressalta que as áreas de saúde, educação e infraestrutura são as mais afetadas pela corrupção, por conta dos recursos que são maiores. “A corrupção é praticamente inquantificável. É uma situação complexa, que torna o trabalho de fiscalização dificultoso. É uma área sensível. Existem pessoas que desviam muito dinheiro, e o que temos feito é intensificar as fiscalizações, não somente através dos sorteios, mas também as denúncias que chegam”, destacou. PF: mais corruptos do que traficantes: Se os órgãos de fiscalização e combate à corrupção sentem dificuldades para combater o crime, a Polícia Federal também encara o desafio de descobrir e indiciar gestores corruptos. “Porque se tratam de crimes envolvendo pessoas que são responsáveis por receber e aplicar os recursos públicos. É difícil para a polícia identificar a corrupção, mas as investigações têm avançado muito. Atualmente, as maiorias dos inquéritos instaurados e em andamento são, em maioria, por crime de corrupção. É ainda maior do que o número de inquérito por tráfico de drogas”, disse o superintendente da PF na Paraíba, delegado Nivaldo Farias de Almeida. Para o fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, os gestores corruptos buscam alternativas para driblar a fiscalização para que não sejam descobertos e uma das mais comuns é o descumprimento da Lei de Acesso à Informação e Transparência, que determina que cada órgão gestor, disponibilize um portal de informações, com os dados necessários sobre recursos recebidos e os investimentos que são feitos. Um levantamento do Focco apontou que até abril deste ano, apenas 49 dos 223 municípios já haviam criado um portal. “Tem que ter o portal e não apenas um site com informações da vida do gestor e informações que beneficiem a ele. Muitos municípios no país descumprem a lei e não disponibilizam os portais. Em outros, há o portal, mas a qualidade não é boa. Muitos gestores alegam que não têm recursos. Na verdade, não há um interesse, para que a sociedade não tenha conhecimento, para cobrar e fiscalizar”, contou Gil. Rombo em Caldas Brandão: Caldas Brandão, no Agreste, amarga as consequências da corrupção. Em 2012, a fiscalização da CGU constatou problemas em todas as áreas da gestão municipal. Na Ação Social, famílias carentes não tinham acesso ao Bolsa Família, mas funcionários municipais e de empresas privadas de João Pessoa recebiam o benefício. Na educação, o órgão identificou que recursos do Fundeb eram desviados para outras finalidades e a merenda escolar não chegava às escolas. Na saúde, a CGU identificou desvio de mais de R$ 66 mil. O ex-prefeito João Batista Dias, que governou por dois mandatos é investigado pelo MPF, foi apontado pela CGU como responsável por fraudar licitações e concurso público para favorecimento pessoal. Ao ser derrotado nas eleições passadas, o ex-prefeito deixou o município com uma dívida superior a R$1,5 milhão. “Quando assumimos em janeiro, não tinha nenhum centavo em caixa, havia uma dívida milionária e problemas para celebrar convênios”, disse a prefeita Neuma Rolim. O ex-gestor ainda deixou servidores sem receber o salário de dezembro de 2012 e o 13º. “Foi um prejuízo grande na minha vida. A pessoa passa o ano trabalhando honestamente pra receber um salário mínimo e quando chega o fim do ano nem recebe salário e nem o décimo. Tive que fazer empréstimos para pagar as contas e comprar comida para meus filhos, porque o prefeito desviou o pagamento para a conta dele na época”, lamentou a auxiliar de serviços gerais, Maria do Livramento Silva, 51. O vigilante João Carlos de Oliveira, disse que além de não receber salário foi surpreendido com o contracheque debitado, como se tivesse recebido os vencimentos. “O próprio prefeito foi ao banco e transferiu os recursos da saúde para conta e depois sacou tudo e não se sabe para onde mandou o dinheiro. Foi constrangedor ver meus filhos passando necessidade”, desabafou. Sem esgotamento sanitário, os moradores convivem com esgoto a céu aberto. Na maioria dos bairros, não há pavimentação. Embora o ex-gestor tenha feito uma nota de empenho alegando investimentos de mais de R$ 100 mil para calçamento das avenidas.
Portal Correio da Paraíba, 08/12/2013

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