A presidente Dilma Rousseff nunca
deu muita atenção aos índios. Quase não demarcou terras e só recebeu
pessoalmente uma delegação indígena no terceiro ano do seu mandato, após a onda
de protestos populares de junho. É esse pequeno grupo populacional, no entanto,
que está causando o maior e mais delicado impasse de seu governo na área
fundiária. Ao contrário de seus dois antecessores, que se viram às voltas,
sobretudo com os sem-terra, o grande dilema fundiário de Dilma é a demarcação
de terras indígenas. A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 01-12-2013. O
foco das preocupações no momento chama-se Mato Grosso do Sul, onde a população
indígena, a segunda maior do País, logo atrás do Amazonas, gira em torno de 75
mil pessoas. Ali, o estado de tensão entre índios e proprietários rurais, por
causa da posse da terra, aumenta a cada dia. Na sexta-feira, numa ação
emergencial e atendendo, sobretudo, a solicitações de comunidades indígenas, o
ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, chegou a determinar a ampliação das ações da Força Nacional de Segurança no
Estado. O grupo especial vai permanecer lá por mais 90 dias. A Força chegou em maio. Foi logo
após o conflito na Fazenda Buriti,
no município de Sidrolândia,
a 70 quilômetros da capital, Campo Grande, que ganhou repercussão no País e no
exterior por causa da morte do índio terena Oziel Gabriel, durante uma reintegração de posse. Na ocasião, o
governo desembarcou em Mato Grosso
do Sul um batalhão de técnicos e assessores dos ministérios da
Justiça e do Planejamento, da Advocacia-Geral da União e de outros órgãos
federais. Tinham a missão de apresentar uma solução para o conflito que fosse
rápida e agradasse aos produtores rurais - que, em sua maioria, têm títulos
legais de propriedade da terra -, e indígenas, que, segundo levantamentos
antropológicos, seriam os donos das terras. Espera. O governo também sinalizou
que a solução de Buriti serviria de paradigma para todos os outros debates
sobre demarcações de terras no Estado - que não são poucos. Nas contas da Associação dos Produtores de Mato Grosso do
Sul (Acrissul), já chega a 80 o número de propriedades invadidas. Passados
quase seis meses, porém, o impasse permanece e o governo é atacado tanto por
ruralistas quanto por índios. "O agronegócio vive aqui uma situação de
completa insegurança jurídica", diz Francisco Maia, presidente da Acrissul. "Não dá para aceitar
esse descaso do governo com o setor mais competitivo da economia nacional, o
que dá mais resultados." A associação está à frente da organização do Leilão da Resistência, que será
realizado no sábado, para angariar fundos para contratar serviços particulares
de segurança para as fazendas. A iniciativa tem sido criticada por organizações
de defesa dos direitos dos índios, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que veem nela o embrião
de milícias particulares, legalmente proibidas. O líder indígena Otoniel Guarani Nhandeva diz que
a espera chegou a um ponto insuportável. "A gente conversa muito, mas tudo
fica na conversa. Os dois lados não aguentam mais", diz. "Os
ruralistas estão contratando seguranças há muito tempo. Eles nos acusam de
violências, mas são os índios que estão morrendo." Segundo Otoniel, os indígenas decidiram, numa
assembleia recente e que reuniu a maioria das comunidades do Estado, que não
vão mais abandonar as áreas invadidas, ou reocupadas - como eles dizem, numa
alusão ao fato de que as terras eram de seus antepassados. Para a presidente da
Funai, Maria Augusta Assirati,
a tensão no Estado resulta de um processo que se arrasta há décadas.
"Estamos falando de regiões de ocupação tradicional, voltadas para a
produção rural, com um grande número de produtores outorgados por governos
estaduais na época da colonização", diz ela. "Todas as ações da Funai em áreas de ocupação tradicional
indígena sempre foram permeadas por ações judiciais contrárias. Hoje chegamos a
um ponto de impasse, porque temos um grande contingente de índios aguardando a
regularização de seus territórios e um número enorme de ações no sentido
contrário." Solução: A
maior parte das terras indígenas, que ocupam 13% do território nacional, foi
demarcada em áreas pouco povoadas e de baixo grau de exploração agrícola. Mas
esse não é o caso de Mato Grosso do Sul. Segundo Maria Augusta, o impasse nas
negociações se deve à dificuldade para encontrar uma forma legal de compensação
financeira dos produtores. A Constituição determina que, uma vez demarcada a
terra indígena, os produtores devem deixá-la recebendo apenas o valor das
benfeitorias. No caso de Mato
Grosso do Sul, onde a maioria dos proprietários tem títulos legais
concedidos por governos estaduais, busca-se uma maneira de pagar também pela
terra. Para o governo existe também o desafio de não desagradar à bancada
ruralista, uma das mais poderosas do Congresso, nem bater de frente com o
governador André Puccinelli.
Filiado ao PMDB, partido da base governista, ele se opõe à concessão de
qualquer área do território sul-mato-grossense aos índios e chega a proibir a
presença do Cimi, a mais
radical das organizações de defesa dos povos indígenas em mesas de negociações
no Estado. "O Cimi é
o braço fascista da Igreja", afirmou em recente audiência no Senado sobre
os conflitos.
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