Por, Michelle Farias,
Mesmo após 50 anos, os efeitos
marcantes do Golpe Militar ainda ecoam na Paraíba. O governo do Estado divulgou
ontem o resultado preliminar do primeiro ano de trabalho da Comissão Estadual
da Verdade, um relatório sobre os crimes ocorridos nos bastidores da ditadura
na Paraíba, e autorizou a regularização fundiária da fazenda 'Alagamar', no
município de Salgado de São Félix, símbolo da resistência ao regime militar. A
medida vai beneficiar diretamente 300 famílias que passarão a ter a posse da
propriedade.
Em 12 meses, a Comissão realizou 13 audiências
públicas para ouvir 40 pessoas que sofreram algum tipo de violação de direitos
durante a ditadura. Também ontem, o governador Ricardo Coutinho autorizou a
mudança do nome da escola estadual Presidente Médici, no Castelo Branco, para
presidente João Goulart, após a aprovação de 87% dos alunos.
“Esse trabalho tem a importância de resgatar a
verdade, preservar a memória. Nenhum povo pode construir o futuro sem conhecer
o passado. Durante 21 anos houve no país um regime discricionário e é preciso
que as novas gerações possam conhecer esse lado da nossa história e fazer com
que a partir da verdade o país evite qualquer coisa parecida com isso no campo
da supressão das liberdades individuais e coletivas, no campo da tortura, na
ausência de democracia. Existe isso para construir um país bem melhor para os
seus filhos”, avaliou o governador Ricardo Coutinho.
O Estado totaliza cinco mortos, sendo apenas três
reconhecidos pela União e outros seis desaparecidos políticos. No solo
paraibano, 35 pessoas foram torturadas durante o regime militar, alguns destes
casos foram constatados a partir das audiências públicas realizadas pela
Comissão da Verdade.
O relatório da Comissão Estadual da Verdade traçou um mapa da tortura na Paraíba.
Conforme o documento, as torturas aconteciam no interior dos batalhões do
Exército Brasileiro, no 15º Batalhão de Infantaria Motorizado, no bairro de
Cruz das Armas, 1º Grupamento de Engenharia, Delegacia da Agricultura, 16º
Regimento de Cavalaria Mecanizado, além da Delegacia Regional de Sapé e na
Delegacia de Investigação e Captura (DIC).
Em Campina Grande, as torturas ocorriam em granjas
privadas que eram cedidas para a prática dos crimes. Entre as torturas
praticadas estavam: interrogatórios com socos e pontapés, choques elétricos com
fios conectados nas orelhas e nos órgãos sexuais, além de ameaças. De acordo
com o presidente da Comissão da Verdade, Paulo Giovani, os principais
torturadores dos paraibanos foram o major José Bendito Cordeiro, conhecido por
major Cordeiro, o coronel Carlos Alberto Ustra e o sargento Francisco de Assis
Marinho, apontado como torturador nas granjas de Campina Grande.
“Nesse ano de trabalho, nos organizamos em grupos e
cada um desenvolveu temáticas. Foram 10 grupos temáticos e apresentamos o
resultado preliminar de nove destes grupos”, explicou Paulo Giovani. Na 'Anos
de Chumbo', 41 mandatos eletivos foram cassados na Paraíba, entre deputados,
vereadores, suplentes e prefeitos. As cassações ocorreram em três momentos: através
de Projetos de Resolução, editados pelos Poderes Legislativos, a partir do Ato
Institucional 1 (AI1) do governo federal e pós AI5, quando as cassações
ocorreram através do Conselho de Segurança Nacional.
“Acho que isso constrói não só o sentimento, mas
mentalidade do quão importante é um processo democrático na vida de um país”,
disse Ricardo. O trabalho da Comissão continua por mais um ano, quando será
emitido um relatório final que fará parte da Comissão Nacional da Verdade. MULHERES VÍTIMAS DA
DITADURA MILITAR:
O governador informou que a sala utilizada para os
trabalhos da Comissão, na Fundação José Américo, será transformada no Museu da
Democracia da Paraíba. No local serão disponibilizados documentos e depoimentos
em vídeo colhidos ao longo do trabalho da Comissão.
A Comissão Estadual da Verdade identificou 100
mulheres paraibanas que foram vítimas de violação de direitos humanos durante a
Ditadura Militar. Conforme Irene Marinheiro, que estudou ditadura e gênero na
Comissão, uma das principais metas é tornar público as aberrações sofridas
pelas mulheres durante o Regime Militar.
Conforme o relatório da Comissão foram mães, esposas,
filhas, companheiras que sofreram todo tipo de tortura, desde o choque elétrico
à violência sexual. “Foram prisões, torturas, exílio, clandestinidade,
afastamento da universidade. Existem casos de violência sexual. As mulheres
tiveram papel importante no enfrentamento à ditadura e foram duramente
reprimidas”, informou Paulo Giovani.
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