Luiz Cláudio Mandela [1]
Estamos
passando por uma defasagem muito grande de reflexões e análises mais profundas
sobre o momento atual da sociedade Brasileira. Estive procurando e fazendo
algumas leituras e me deparei com dois polos: reflexões extremadas sobre a copa
do mundo ou análises essencialmente superficiais e eleitoreiras sobre a
definição de candidatos e candidatas para as eleições, quase que gerais, de
outubro deste ano.
Na
minha adolescência, quando do começo da militância fazendo os primeiros cursos
de formação política, me lembro de ter aprendido que analisar conjuntura é
fazer perguntas, olhar com uma lupa, fazer radiografia. Tudo isso para
estruturar respostas, organizar as ações, ir em frente sem errar novamente ou
mesmo minimizar os erros futuros.
Pensando nisso, creio ser difícil fazer uma
análise de conjuntura sem que reflitamos que o Brasil é um país com dimensões
continentais, um território profundamente complexo no que tange a sua
conformação social e política. Com uma democracia jovem e ainda teimando em não
deixar aflorar todas as cicatrizes adquiridas neste caminho recente.
Fazendo
uma rápida analogia do Brasil com uma viagem, podemos dizer que estamos num momento
de transição de estradas, ou seja, temos a informação da estrada por onde
passamos, do tempo que gastamos, da velocidade e do combustível necessário para
chegar onde estamos. Parece-nos que agora estamos num momento de refletir,
analisar e quem sabe até definir melhor como faremos o restante da viagem.
Seguindo
com a analogia, penso que para conseguirmos fazer uma reflexão o mais próximo
possível de errar menos no caminho a ser seguido pelo o Brasil, enquanto um
estado que realmente possibilite direitos de presente e futuro para todos e
todas, seja necessário analisar por três pilares que se traduzem em responder
algumas questões: quais os objetivos do estado? Desenvolvimento para quem?
Democracia e direitos para quem?
Ao
olhar nos estudos de ciências políticas, entre outras afirmações e reflexões
podemos apontar que o estado brasileiro é fruto de uma mescla de duas
possibilidades de origem histórica: sendo uma primeira por desejo de dominação
e uma segunda por motivos econômicos. É importante analisar este fato, pois ele
orienta e dá estrutura ao que foi o processo histórico de formação do que temos
de democracia no Brasil hoje.
Ou
seja, nosso estado é fruto de fatores ligados às correlações de forças e os
embates existentes entre os agrupamentos sociais que foram dando a organização
e a cara desta sociedade. Estes embates foram forjados por definições culturais
e sociais, no entanto todas elas têm sim um marco econômico muito poderoso.
Desta
forma, é correto afirmar que somos um estado capitalista fortemente marcado
pelo processo histórico de estruturação de sua economia, onde o latifúndio, a
exploração do trabalho (escravo ou análogo) e a exportação de produtos
primários, foram e continuam sendo a sua base.
Outra face estrutural deste
estado é marcada pelo patriarcado aristocrático e pelo patrimonialismo que deu
origem a uma burguesia preconceituosa que se utilizando de um fisiologismo
domina o “modus operandi” de fazer a política. O que após a década de 1990
ficou ainda, mas explicito com a total contaminação pelo pensamento neoliberal
do século XXI.
Pensar
o estado é fundamental, olhando para além desta nefasta e “pequena política”,
aquela que se resume às eleições como pilar da democracia, é estratégico
refletir, se aprofundar no que alguns autores e intelectuais chamam de estado
amplo, ou seja, olhar com atenção ao que diz respeito ao conjunto das
instituições que administram política e juridicamente este território.
Estamos
falando também dos entes que compõem, da mesma forma, este estado amplo, e que por
não estarem e nem fazerem parte das instituições de administração deste, buscam
ou deveriam buscar influenciar para que o “organismo vivo” Estado venha voltar
seu desenvolvimento mais para um lado ou para outro. Aqui nos referimos ao
mercado ou poder econômico de um lado e da sociedade civil e toda sua gama
diversa de organizações do outro.
No
Brasil depois de passarmos por períodos de democracia interrompidos por
momentos fortes de ditaduras, estamos na atualmente vivenciando o período mais
longo de democracia pós-início da república no Brasil. Temos sim, um estado
democrático e moderno. Porém, não atualizado e sem mudanças, no que tange às
suas estruturas mais basilares.
Vivemos
ainda, na mesma base político-econômica, já que até hoje temos nossa economia
voltada à exportação de produtos primários, sejam eles extraídos do subsolo, ou
produzidos em latifúndios, sendo ambos causadores de profundos prejuízos ao
território, ao meio ambiente e aos povos que nele vivem.
Seguimos
também vivenciando uma mesma estrutura política, dominada pelo fisiologismo e
pelo capital econômico que determina, através dos processos eleitorais
fraudulentos e pouco participativos, para onde e como o estado enquanto
estrutura a serviço da democracia deve se voltar. Outro fator que na análise da
estrutura do estado brasileiro nos solicita bastante atenção é quanto às
instituições, que como afirmamos acima, administra e dinamiza o território.
Uma vez
que nós ainda convivemos com instituições extremamente atrasadas, dominadas por
oligarquias que determinaram a vida e a morte de centenas de milhares de
pessoas, assim como, o horizonte a ser seguido pela sociedade brasileira
através dos séculos.
Talvez
responder a inquietação que se traduz em algumas grandes questões, pode nos
ajudar a desvendar o paradoxo colossal que faz com que o Brasil seja ao mesmo
tempo a 6º economia do mundo, quando se utiliza o critério do PIB[2] e a 84º
quando se utiliza o critério do IDH[3]. Ou seja, desenvolvimento para quem?
Estado para quem? E democracia para quem? Voltam a figurar como informações
fundamentais e estratégicas para orientar nosso olhar.
As
respostas para estas questões não podem vir isoladas e muito menos relacionadas
apenas com dados e índices estatísticos sobre quem ganha um real acima ou a baixo
do índice determinado pelas Nações Unidas.
Elas
devem sim, ser alicerçadas no fundamento histórico de como o estado brasileiro
foi se conformando, as opções tomadas, especialmente nas duas últimas décadas e
também relacionadas com o grande potencial que este país tem que é seu povo,
seus recursos naturais e o posicionamento estratégico tanto do ponto de vista
geopolítico, como também sociocultural para com o mundo do norte e
especialmente do sul.
O
Brasil alçou-se ao Neodesenvolvimentismo em pouco mais de uma década. Este se
balizando por uma estrutura que busca ampliar as forças produtivas do capital e
em ao mesmo tempo tornar o País um estado que consegue hoje ser investidor,
financiador e social.
Que
mescla ampliar a produção e a infraestrutura através do programa de aceleração
do crescimento nas suas várias versões (PAC [4] I, II, III) com programas de
transferências de renda que buscam com seus resultados “erradicar a pobreza”.
No entanto, mantem-se a grande contradição que alimenta o fosso que coloca o
Brasil ao mesmo tempo nas primeiras colocações seja em economia ou em
desigualdades socioeconômicas.
É
possível desenvolver sem incluir, sem concentrar renda e riqueza? Da mesma
forma, é possível erradicar a pobreza sem ações estruturais, onde os pobres
façam parte da economia produtiva e não da economia social?
Todas
essas questões não são pacíficas, não são decisões isoladas e nem individuais,
muito menos possíveis de serem tomadas sem que se reverta às idéias dominantes
que alimentam a alienação de que a única forma de inclusão é através do
consumo, que as intenções democráticas podem ser defendidas com ações
antidemocráticas onde o estado democrático de direito deve ser defendido com a
criminalização da luta social e da pobreza. Ficando ao mesmo tempo passivo para
a ofensiva do Capital sob o estado que chega, inclusive, a controlar de forma
determinante o poder político;
Em
última análise a questão poderia se resumir, sem minimizar, em como se deve
olhar e enfrentar a pobreza e o desenvolvimento. Existe aí uma confusão
orientada, como diria Gramsci. Ao nos introduzir no conceito de aceitação do
domínio burguês, para ele que afirma que ao induzir ou promover que os
dominados aceitem uma concepção de mundo que pertence aos dominadores, leva
estes a vivenciar ou mesmo a defender este como verdadeiro e intransponível.
Esta confusão pode ser facilmente observada no
campo das esquerdas e mesmo da sociedade civil, que diferente da busca de
hegemonia, adapta-se ao que o estado burguês dominado por pensamentos neoliberais
lhes apresenta como “o possível”.
Fernand
Braudel ao refletir sobre a centralidade do estado, nos afirma que, “O
capitalismo só triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado”,
ou seja, o domínio do capital internacional e da burguesia nacional sob o
estado brasileiro, não é apenas de “rapto” ela busca afirmar voltando à teoria
Gramisciliana, que eles são o próprio estado ou que têm hegemonia sobre ele,
inclusive restando para a sociedade civil, apenas defendê-lo.
Obvio que esta reflexão nos ajuda, pois ela
pode servir da forma inversa, como nos ensina Florestan Fernandes “Para
realizá-las, [transformações], o povo precisa, antes de qualquer coisa,
conquistar o poder.”
Para
ele, a sociedade civil, o povo ou os trabalhadores devem assumir o poder, neste
caso se sentir poder, ou seja, a ideia de combater o estado, nos parece
totalmente aniquilada, tanto pelos ensinamentos destes pensadores, como pelos
mais de 12 anos de experiência de “governo popular”, começamos a experimentar o
que é se sentir estado e ver como ele se comporta e principalmente do que ele é
capaz.
Parece-nos
que a transição de uma estrada para outra sem diminuir a velocidade pode sim
ser possível. Para isso, creio ser necessário superar a confusão que nos foi
induzida e tentar olhar bem fundo, para que possamos clarear a nossa
interpretação e aprofundar na afirmação de nossa “identidade”.
É
fundamental que o conhecimento do ambiente seja colocado como desafio a ser
superado, para que a identificação do opositor e a construção das estratégias
de busca da hegemonia sejam nossos caminhos para vivenciar a vitória definitiva
do estado democrático de direito do povo brasileiro.
Fonte: http://www.asabrasil.org.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário