sábado, 11 de outubro de 2014

Para Boff há conaturalidade entre o Papa e o governo Dilma

Em entrevista concedida à Carta Maior, Leonardo Boff analisa a posição do Papa Francisco e da CNBB diante das candidaturas de Dilma Roussef e de Marina Silva. Trata-se de uma geopolítica da fé, segundo o entrevistado.

Neste domingo (5/10), o Brasil, maior potência católica do mundo, vai às urnas, acontecimento que não está alheio ao Vaticano, nem a Francisco, o papa reformista que visitou o Rio de Janeiro e se reuniu várias vezes com Dilma Rousseff em sua primeira viagem internacional, de julho de 2013, depois de ser nomeado sucessor do conservador Bento XVI.
Em 2010, exerceu sua influência contra a então candidata Dilma e em apoio a José Serra, em sua cruzada contra a descriminalização do aborto (a esposa do então candidato tucano chegou a falar do “demônio em atividade de campanha).

Ninguém ignora a preocupação do Estado Vaticano diante do avanço das igrejas neopentecostais no Brasil e na América Latina, onde há antecedentes de governos ultradireitistas controlados por evangélicos, como aconteceu na América Central. Nesta entrevista concedida a Carta Maior.
Leonardo Boff analisa a posição de Francisco e da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) diante das candidaturas de Dilma Rousseff, uma católica que reivindica os direitos das minorias sexuais, e da evangélica Marina Silva.
Questionada pela comunidade GLBT após ceder a pressões de pastores conservadores para modificar seu programa de governo no ponto referente às minorias sexuais. O senhor acha que Francisco prefere uma vitória de Dilma?
Não há dúvidas que a chegada de Francisco trouxe novos ares para a Igreja. Sua atitude e suas palavras não deixam dúvidas, vão na linha pastoral de opção pelos pobres contra ainjustiça social. Nesse sentido acho que existe uma conaturalidade entre o Papa e os governos do Lula e da Dilma.

No debate na TV Aparecida a CNBB respaldou a reforma política, e foi mais moderada em temas morais do que tinha sido em 2010. Podemos dizer que hoje a CNBB tem uma atitude mais moderada comparada com a posição anti-Dilma quando era papa Bento XVI?

Nesse sentido, acho que o foco da discussão no debate dos candidatos organizado pela CNBB não foram apenas questões morais como o aborto e as uniões, mas a corrupção que foi denunciada. Aliás, acho que a oposição, exatamente no auge da campanha eleitoral, colocou na pauta o tema da corrupção que atingiu a maior empresa do pais, a Petrobras.
Era fácil fazer criticas duras e diretas à Presidenta Dilma, pois havia sido uma diretora da Petrobras. Mas ela foi contundente ao dizer que a corrupção denunciada foi logo punida. O denunciador Costa foi imediatamente demitido e preso. Contra Dilma ninguém conseguiu levantar qualquer prática ilícita ou de corrupção.

É seu forte, pois pessoalmente criou uma série de instâncias de detectação, denúncia e culpabilização de práticas corruptas sejam do PT ou de qualquer outro partido. Como todos sabem que a corrupção vem de muito antes, não é a corrupção atual uma novidade.
A novidade é que seu governo foi o que mais tornou pública a corrupção e mais investigou e puniu. Francisco convocou um foro mundial de movimentos populares neste mês. Qual é a importância dessa renovada relação na atual conjuntura latinoamericana?
A opção de Francisco é pelos pobres contra a injustiça social, a favor dos movimentos sociais e da sociedade organizada. Acho eu que isso pode contribuir para uma democracia substancial. Desde 2013, quando ele foi eleito o Papa agiu como um jesuíta, com rigor e extrema rapidez: destituiu toda a equipe de direção e nomeou gente de sua confiança.

Começou uma reforma da cúria, não usando seu poder absolutista, mas uma forma colegiada com alguns cardeais notáveis e que está ainda em curso. Seu modo de ser e de falar lembra as Igrejas da América Latina, destituídas de poder, abertas ao diálogo e com uma clara opção pelos pobres contra os causadores da pobreza que fundamentalmente é o sistema do capital que ele chama de intrinsecamente perverso pois trata as pessoas como objeto a ser descartável.
Ele une o rigor de um jesuíta com ternura de um franciscano, especialmente quando está no meio do povo. Não fala dos pobres. Vai lá onde eles estão, conversa com eles, abraça-os e aproveita para fazer duras críticas aos sistema materialista e consumista predominante no mundo.

Por outro lado, gostaria de dizer que é da mais absoluta importância para os movimentos sociais secundarmo s o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social, tão irrefutavelmente explicada pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência Gilberto Carvalho.
Um grito geral da mídia corporativa se levantou contra o decreto que procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do século passado, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo.

O senhor tem afirmado que com Lula e Dilma houve uma real alternância de classe social no poder. Num hipotético governo de Marina, aliada aos banqueiros, pode acontecer um retorno ao Planalto das tradicionais classes dominantes?

Marina deverá coordenar um governo cujas teses principais foram formuladas por economistas neoliberais como Lara Rezende e Gianetti, que postulam um Estado menor para dar mais espaço ao mercado, às empresas e aos capitais internacionais sem lei, particularmente à independência do Banco Central.

Numa sociedade cujo eixo articulador é a economia, tirar o poder de decisão do presidente/a sobre os rumos do Banco Central é diminuir seu poder e fazê-la refém da lógica dos bancos que desejam juros mais altos para lucrarem mais. Seria um retrocesso de um projeto republicano de 12 anos que, apesar de ter que acolher a macroeconomia capitalista, encontrou formas de fazer fortes políticas públicas.

Com crescimento e inclusão social. Mudar de direção agora seria como querer trocar a roda de um carro que está correndo. Não há mais lugar par a aventuras políticas num contexto mundial em crise frente a qual estamos felizmente nos equilibrando.

Marina defendeu união de pessoas do mesmo sexo numa sexta e no sábado corrigiu sua posição. Qual é o grau de influência que tem sobre a candidata gente como o pastor Silas Malafaia e outros grupos conservadores? O PT tem condições de recuperar votos nas comunidades onde os pastores fazem campanha para Marina?
Marina é biblicista em religião. Quer dizer considera a Bíblia o repositório de soluções para todos os problemas, o que não deixa de ser uma espécie de fundamentalismo. Já adverti a vários correligionários dela que se tomarem a Bíblia no pé da letra.

Como está escrito no livro do Levítico capitulo 21, versículo três, cometerão um crime. Ali se diz: “se um homem dormir com outro homem como se fosse com mulher, ambos cometem uma perversão e serão punidos com a morte: são réus de morte”.
Marina é muito piedosa e se deixa guiar pela leitura contínua da Bíblia sem levar em consideração os séculos e os contextos que nos separam. A Bíblia é uma fonte de inspiração para que com inteligência encontremos caminhos bons para o povo. A Bíblia deve iluminar a realidade e por isso não podemos colocá-la na frente dos olhos ocultando a realidade.

A Bíblia é a Palavra de Deus para os que têm fé, mas não podemos esquecer que a primeira Palavra é a Criação e a Vida. Mas nem todos os evangélicos são desta linha. Existe um site muito rico com o título "Evangélicos por Dilma". 

Creio que Marina mudou tantas vezes de posição que deixou os próprios evangélicos confusos. Estão se dando conta de que não é uma mulher de decisões para governar um país complexo como o Brasil. Creio que preferem o caminho já testad o e que deu certo, e que pode ainda melhorar, como é o governo de Dilma.

Fonte: Carta Maior

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