Por, Por Daniele Silveir; Da Redação; Reprodução/CPT
Para Dom Enemésio
Lazzaris, presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), se não
houver uma política agrária que favoreça a permanência no campo, a agricultura
familiar e a demarcação das terras indígenas, haverá mais despejos, ameaças,
prisões e conflitos .
No dia 30 de
outubro, o presidente da nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom
Enemésio Lazzaris, enviou carta à presidenta reeleita Dilma Rousseff, em que
destaca, entre outros pontos, os conflitos e a violência no campo.
Com fortes críticas
ao modelo do agronegócio, sustentado pelo governo petista na última década,
Lazzaris diz no documento que a retomada da reforma agrária “é uma medida
mais que urgente que o novo governo deve tomar.”
“Uma política de
maior apoio aos camponeses potencializará uma produção alimentar
qualitativamente diferente, saudável e harmônica com os bens da terra”, diz
trecho da carta.
Em entrevista
ao Brasil de Fato, o presidente nacional da CPT
exigiu, além da reforma agrária, que governo de Dilma Rousseff assuma um
comprometimento mais sério com a população que luta pela terra.
“A nossa pauta da
terra e da reforma agrária não teve espaço em nenhum momento, seja nos
comícios ou nos debates. Não se ouviu falar dessas questões. Esperemos que
este tema seja incluído agora nos próximos quatro anos”, disse. Brasil de Fato –
Dom Enemésio, há lugar para a reforma agrária no atual modelo de
desenvolvimento adotado pelo Brasil?
Dom Enemésio
Lazzaris – Nos moldes antigos talvez a reforma agrária seja um pouco
mais complexa, mais difícil. A gente precisa passar por um modelo de reforma
agrária bastante ressignificado. Isto é, não mais somente a luta pela terra,
pela posse da terra, mas reforma agrária no sentido também mais ampliado.
A luta pela
permanência na terra, no território. Acho que nos últimos anos isso se acentuou
bastante. Desde os oito anos do governo Lula, e agora com a Dilma, a questão
do território para tantas comunidades tradicionais, indígenas e povos
originários é importante.
Não sair, não mudar
do lugar. Esse elemento hoje é incorporado por esses grupos, por esses
movimentos e pelas pastorais, seja Via Campesina, MST, CPT. Uma necessidade de
uma articulação em favor daqueles que já estão na terra, inclusive os posseiros
que já está há tanto tempo.
Então, essa reforma
agrária só será possível se realmente houver muita pressão de alguns deputados
e senadores que estão mais ao nosso lado, e com uma articulação dos
movimentos, como as pastorais do campo e tantos outros que lutam em favor da
terra, da reforma agrária, da agricultura familiar e da produção
agroecológica. Eu creio que é possível e necessário.
Inclusive, eu penso
que vamos ter que continuar a questão do limite da propriedade, para que
exista realmente uma reforma agrária e resolva parte dessas questões do
conflito no campo. A gente precisa continuar trabalhando para que haja no
Brasil um limite da propriedade. Além da distribuição da terra, o
que deve ser prioridade para garantir melhores condições de existência para os
camponeses?
Primeiro de tudo,
eu penso que há necessidade de uma articulação de todo o tipo de campesinato:
os posseiros, vazanteiros, os que trabalham no fundo de quintal, os
ribeirinhos, extrativistas, seringueiros, os pescadores que têm suas colônias.
Os indígenas, as
comunidades tradicionais e os quilombolas. Primeiro de tudo, a necessidade de
uma articulação mais forte, mais resistente das pessoas que ainda vivem no
campo. Eu acho que é o primeiro passo.
O segundo passo,
creio que vem em conseqüência de uma organização de base, desses grupos que
estão relacionados diretamente com o campo. Eu penso que será mais viável fazer
a pressão em cima do governo, seja em nível local, estadual ou federal. A
pressão em cima do Legislativo, do Executivo e, talvez, de modo particular,
do Judiciário.
Porque sem uma
pressão, digamos, sem uma organização da base na atual conjuntura política, sobretudo
na próxima configuração do Legislativo, vai ser difícil. A bancada ruralista
se reforça e junto com ela também outras bancadas que praticamente estão
articuladas com os ruralistas.
A gente não espera
que venha lá de cima uma solução. Eu penso que lá em cima a tendência é sempre mais
favorecer o agronegócio, a produção de commodities,
de grandes propriedades, grandes plantações de soja, monocultura (milho,
eucalipto), os grandes projetos das hidrelétricas, ferrovias, hidrovias e
rodovias.
A vitória eleitoral
apertada de Dilma suscitou a necessidade de reaproximação com os movimentos
sociais. O que o senhor espera para o próximo período em relação a mudanças
estruturais, caso o diálogo seja retomado de fato?
Temos, sim,
possibilidade. Temos muito mais possibilidades, diria com esse governo da
Dilma, do PT, do que se fosse eleito o Aécio. Aí a coisa ficaria mais
complicada. Mas há esperança, sim. Se, realmente, é aquilo que eu dizia antes,
a base do campo, as comunidades tradicionais, as comunidades originárias.
Indígenas, todo o
pessoal se organizar e fizer pressão, nós vamos conseguir dar alguns passos.
Agora, o PT e a base do governo precisam dar um pouco mais de atenção a essas
causas populares, coisa que se fez pouco.
Nós esperamos que o
governo eleito pelos pobres, pela periferia, governe também mais para a
periferia, mais para os pobres, do que para os grandes. O que acontece muitas
vezes é que os pobres elegem os seus governantes, mas eles acabam fazendo
política em favor dos grandes. O que precisa é incrementar a agricultura
familiar, os projetos de assistência técnica, não só de oferecer o maquinário
para favorecer a produção e o escoamento.
A nossa pauta da
terra e da reforma agrária não teve espaço em nenhum momento, seja nos
comícios ou nos debates. Não se ouviu falar dessas questões. Esperemos que
esses temas sejam incluídos agora nos próximos quatro anos. Diante
do aumento da criminalização das organizações populares que lutam pela terra, o
senhor vê possibilidades de enfrentamento real à violência no campo?
Eu até tenho aqui
comigo alguns dados recentes de como nesse período eleitoral aconteceu uma
coisa anormal. Porque normalmente nos períodos eleitorais a questão dos
conflitos no campo e os assassinatos diminuem. O pessoal se volta mais para a
campanha política, para a eleição, e parece cessar um pouco os conflitos no
campo.
Mas não foi isso
que aconteceu no período de julho para cá. E pode saber, na medida em que se
privilegia o agronegócio, na medida em que se incentiva a produção de commodities, na medida
em que se estimula os grandes projetos, há uma provocação da base, dos
pequenos que se encontram na terra, que vivem na terra, que estão aí há dezenas,
centenas de anos.
Então, neste ano,
temos alguns dados que podem nos ajudar a entender. Até o dia 31 de outubro do
ano passado, nós tínhamos 27 assassinatos no campo. Em 31 de outubro deste
ano, aumentaram mais três. O número de assassinatos no campo se acirrou. Nessa
ganância, que é a investida no agronegócio, vai impedindo que os pequenos agricultores
permaneçam na terra. Sempre haverá despejo e reintegração de posse.
Nós temos aqui um
dado parcial do total de conflitos deste ano, que foram 586. Também tivemos 37
tentativas de assassinato. No ano passado foram efetuadas 91 prisões e até outubro
deste ano 171. Em relação às famílias despejadas, até outubro do ano passado,
foram 4.314.
Este ano dobrou.
Até outubro, já foram despejadas 9.391 famílias. Se não houver uma política
agrária que favoreça a permanência no campo, a agricultura familiar,
a demarcação das terras indígenas, o reconhecimento das
comunidades tradicionais – de pescadores e quilombolas –, haverá
mais despejos, ameaças, prisões e conflitos.
E a situação dos
indígenas, quilombolas e ribeirinhos não é diferente daquelas enfrentadas pelos
camponeses. O ano passado foi o
ano que os iindígenas foram os protagonistas
do cenário nacional, sobretudo das manifestações. Não só nos
estados e municípios onde eles estão, mas em Brasília.
Iinclusive no
dia 17 de abril do ano passado, eles ocuparam a câmara dos deputados, exigindo
justamente a aceleração da demarcação das terras indígenas que, segundo a
Constituição de 1988, dizia que depois de cinco anos a maioria
das terras indígenas teriam sido demarcadas. Mas são já 26 anos
e, inclusive, corre-se o risco da desmarcação de terras indígenas já
demarcadas. Os quilombolas a mesma coisa.
Sempre há uma
restrição que vai limitando para que o campo seja das comunidades
tradicionais, dos povos nativos. Então, sempre mais vai se complicando a vida
dessas pessoas e, sem dúvida alguma, vai provocando o êxodo rural.
Mas eu tenho a
impressão de que essas comunidades dentro dessas áreas do campo sempre estarão
se organizando. Sempre há entidades se articulando em favor dos pequenos,
procurando ouvir os clamores, se associando ao sofrimento dessa gente,
procurando condições mais dignas e segurança de vida para essa gente. O que determina a
continuidade do trabalho escravo, apesar de haver maior fiscalização?
Primeiro de tudo,
os bons resultados obtidos nesse enfrentamento ao trabalho escravo faz com que
a gente continue, amplie essa vigilância, que a gente prepare melhor os nossos
agentes da pastoral que lidam com essa situação. Faz com que a gente aumente a
fiscalização em áreas ainda não atingidas.
São poucos ainda no
Brasil os agentes que lidam na base, na origem desse problema Além de intensificar,
em melhorar a nossa metodologia, o nosso trabalho científico feito a partir da
base do campo, precisamos também de mais agentes.
Falta ainda uma
integração maior entre as entidades e a sociedade civil mais significativa
entre o que nós fazemos na sociedade civil e o trabalho que faz o governo.
Ta faltando
um pouco mais de articulação para melhorar o serviço, porque ainda acontecem
muitos casos por aí que a gente não tem conhecimento. Feito o critério, o que
mais me estimula é o bom resultado que nós temos em relação a esse
enfrentamento do trabalho escravo.
Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/
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