Cadê o Natal como celebração do nascimento de Jesus? Cadê o presépio na
sala, a leitura bíblica em família, as crianças catequizadas pelo significado
da festa? Cadê a Missa do Galo, que inspirou um dos mais belos contos de
Machado de Assis?
Serei saudosista? Talvez, sobretudo considerando que a pós-modernidade
troca o sólido pelo gasoso, o emblemático pelo mercantil, a irrupção do sentido
pela compulsão consumista.
Eis o sistema, com a sua força incontida de banalizar até mesmo a mais
bela festa cristã. Na contramão de Jesus, vamos escorraçando o filho de Deus do
espaço religioso e introduzindo as mesas dos cambistas que comercializam os
produtos do Papai Noel.
O velho barbudo pode ser encantador para as crianças, devido à
massificação cultural que as induz a preferir Coca-Cola a leite. Contudo,
haverá mais mistério no ancião que desce pela chaminé ou na criança que é a
própria presença de Deus entre nós?
Aliás, ao ser inventado, Papai Noel vestia verde. O vermelho foi
mercadologicamente imposto pelo mais consumido refrigerante do mundo. Porém,
nada tem a ver com a nossa realidade o velhinho que veio do frio.
Somos um país tropical, jamais andamos de trenó e sequer em nossos
zoológicos há renas. Mas, como despertar uma nação secularmente colonizada?
Como livrar a cabeça do capacete publicitário?
Basta conferir o número de lares que trocam a boa e potável água do
filtro de barro pela garrafa pet do supermercado, contendo líquido de
salubridade duvidosa.
Minha mãe, mestra em culinária, contava que, outrora, as madames
cariocas, com a cabeça feita pela Belle Époque , pediam no açougue
"lombinho francês”. E muitas acreditavam que aquele naco de carne de porco
havia cruzado o Atlântico para agradar o paladar refinado de quem, com certeza,
achava uma porcaria o porco daqui...
O grupo de oração de São Paulo, do qual participo, decidiu
confraternizar-se com presentes zero. Queremos presenças na celebração. O grupo
de Belo Horizonte instituiu o "amigo culto” (e não oculto): sorteada a
pessoa, ela recita uma poesia, entoa um canto, narra uma fábula ou conta um
"causo” que faça bem à alma.
Meus amigos Cláudia e Jorge decidiram que, neste ano, nada de shopping!
Levarão as crianças ao hospital pediátrico, para que brinquem com os pequenos
enfermos. Isto, sim, é encontrar Jesus, como reza o evangelho da festa de Cristo Rei: "Estive enfermo e me visitaste” ( Mateus 25, 36).
Isso é muito mais do que cultuar Jesus no presépio, em imagem de gesso.
É encontrá-lo vivo naqueles com os quais ele se identificou. Mas há quem prefira entupir as crianças de Papai Noel, "educá-las” centradas no shopping, incentivá-las a escrever cartinhas com requintados pedidos.
Tomara que, mais tarde, não se queixem dos adolescentes consumistas,
escravos monoglotas dos celulares, indiferentes ao sofrimento alheio e
desprovidos de espiritualidade. Frei Betto é escritor
Fonte: site.adital.com.br
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