Por,
Sueli Cunha Rodrigues.
Bancada
conservadora no Congresso quer liberar tecnologia que torna pequenos
agricultores dependentes das transnacionais do agronegócio e atenta contra
biodiversidade do planeta; Por Gerson Teixeira.
Tirando
proveito da perda de influência do PT no governo e, em contrapartida, da
crescente hegemonia do PMDB num governo fragilizado na opinião pública, e do
controle absoluto do mesmo PMDB sobre as duas casas do Congresso, a bancada
ruralista avalia que chegou o momento de enfiar goela abaixo da população os
pontos mais nocivos da pauta dos capitais do agronegócio para os quais militam
diuturnamente.
Há
pouco, aprovaram a ratificação de ofício dos títulos das grandes extensões de
terras na faixa de fronteira. Pautaram para votação em regime de urgência, no
plenário da Câmara, o projeto de lei (PL) que subscrevem, propondo a plena
liberalização do acesso à terra no Brasil por estrangeiros.
Por meio de Comissão Especial recentemente
criada pelo deputado Eduardo Cunha, iniciaram o processo de alteração da
legislação sobre proteção de cultivares, de modo a adequar a legislação vigente
ao padrão UPOV 1991. Com a eficácia dessa iniciativa, a proteção intelectual
não se dará mais sobre as sementes, e sim, sobre os grãos. Também estão
conseguindo celeridade à proposta de emenda constitucional (PEC) 215, entre
outras ações do gênero.
Neste
momento, pautaram para votação na Comissão de Agricultura, o projeto de lei
(PL) 1117, de 2015, do deputado Alceu Moreira, do PMDB do Rio Grande do Sul,
propondo alterações na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 2005) e na lei
que liberou os transgênicos, para aprovar a as tecnologias genéticas de
restrição de uso na agricultura (GURT).
Trata-se
da terceira tentativa dos ruralistas, afora iniciativa similar do ex-deputado
Cândido Vacarezza, de introduzir, no Brasil, a semente “terminator”. Consta
que, em todos os casos, as proposições foram formuladas por funcionários da
Monsanto. Vale frisar que, neste momento, como ministra da Agricultura, Kátia
Abreu, que foi a autora do primeiro PL sobre o tema em 2005.
Com
a poderosa influência da ministra no governo, mais a presidência da Comissão de
Agricultura nas mãos do seu filho, somado, ainda, às presidências da Câmara dos
Deputados e do Senado por seus correligionários, temos, na atualidade, um
cenário de “céu de brigadeiro” para o processo legislativo da matéria.
Conforme
dito, em 2005 a atual ministra da Agricultura, então deputada, apresentou o
Projeto de Lei nº 5.964, propondo a liberação da utilização das tecnologias
genéticas de restrição de uso no Brasil. O PL foi aprovado na Comissão de
Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e rejeitado na Comissão de Meio
Ambiente, sendo arquivado em 2007.
Naquele
ano, o então deputado Eduardo Sciarra (PSD-PR) reapresentou o PL, que só não
foi aprovado em 2009 graças às atuações dos movimentos sociais e de vários
parlamentares na Comissão de Constituição e Justiça, tendo à frente o PT.
Com
a combinação das mudanças na legislação sobre cultivares com o terminator
entraremos no “estágio armagedon” da modernização conservadora da agricultura
iniciada na década de 1970. Daí em diante será utopia a soberania alimentar do
país, bem como a preservação da biodiversidade. Tampouco teremos a perspectiva
de um padrão diferenciado de agricultura.
O
projeto do deputado Alceu Moreira, ao reeditar os termos dos PLs anteriores,
impede a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e
licenciamento de sementes que contenham tecnologias genéticas de restrição de
uso, salvo nos casos de “plantas biorreatoras” e plantas que possam ser
multiplicadas vegetativamente. Exceto, também, quando o uso da tecnologia
comprovadamente constituir uma medida de biossegurança benéfica à realização da
atividade.
Bem,
neste último caso, tudo passará a ser “benéfico para a atividade”. Até porque,
uma das providências do PL é a de deslocar para a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) o poder disciplinador sobre o assunto, que na atualidade
é regido pelo Regulamento da Lei de Biossegurança. Assim, a suposta manutenção
da proibição da semente terminator para alimentos é puro engodo, pois na
prática estarão espalhadas várias culturas contaminando inteiramente as demais
plantas.
A
este respeito vale informar que em 2005, a Federação de Cientistas alemães
apresentou à Convenção de Diversidade Biológica um parecer concluindo que: “que
plantas com tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs, em inglês)
produzem pólen genéticamente modificado capaz de fertilizar cultivos próximos e
plantas silvestres ou invasoras aparentadas”.
“Os
transgenes contidos no pólen geneticamente modificado e (potencialmente)
qualquer proteína expressada por esses genes estarão, assim, presentes na
semente da polinização cruzada, independentemente se essa semente se tornou estéril”.
Na
realidade, as pressões das multinacionais pela liberação de sementes
terminator, visaram, visam e visarão, sempre, o impedimento da reprodução das
sementes por terceiros, incluindo os próprios agricultores. Isto estaria
assegurado via imposição de uma espécie de “patente biológica”, mais difícil de
“piratear” do que no caso da patente jurídica.
Sobre
o assunto, vale registrar que grande parte dos 1,45 bilhão de agricultores, em
todo o mundo — principalmente agricultores de pequena escala — dependem da
semente colhida como principal fonte de sementes para o novo ciclo agrícola.
Calcula-se que cerca de 60% das sementes utilizadas pelos agricultores
brasileiros são guardadas de uma safra para a outra.
Com
o ‘terminator’ estes agricultores estarão na dependência total de fontes
externas de suprimento desse insumo, pondo fim, assim, à prática milenar de
seleção, melhoramento e troca de sementes entre agricultores de pequena escala,
comunidades indígenas e tradicionais, que constituem um verdadeiro seguro de
países como Brasil para a segurança alimentar e para a preservação da
biodiversidade.
A
alegação de supostas vantagens para a biossegurança, com a utilização de
plantas estéreis, não passa de ardiloso recurso adicional de marketing das
multinacionais em seu lobby contra a moratória dessas tecnologias na Convenção
da Biodiversidade. Na verdade, tais vantagens não se confirmam na prática,
pois, como afirmamos, antes, existe sim polinização cruzada com outras
variedades da espécie, cujas sementes poderão não ser estéreis.
Como
a característica de restrição ao uso envolve um complexo de muitos genes, ela
dificilmente será transmitida por completo (junto com o gene “de interesse”
tipo inseticida) no cruzamento fortuito ou aleatório com outras plantas na natureza.
A
transmissão vai acontecer de maneira imprevisível e incontrolável, fazendo com
que a presença do complexo genéticoterminator no campo (inclusive dos tais
“biorreatores”) seja muito mais um risco do que uma garantia para a
biossegurança.
Corroborando
a avaliação acima, o “Grupo Ad Hoc de Especialistas Técnicos sobre Tecnologias
de Restrição de Uso Genético”, formado para assessorar a Convenção sobre
Diversidade Biológica apontou em seu relatório que: “…as plantas GURTs produzem
pólen geneticamente modificado capaz de fertilizar cultivos próximos e plantas
silvestres ou invasoras aparentadas.
“Os
transgenes contidos no Pólen geneticamente modificado e (potencialmente)
qualquer proteína expressa por esses genes estarão, assim, presentes na semente
de polinização cruzada, independentemente se essa semente tornou-se estéril”.
Portanto, as tecnologias de restrição de uso impedem que a semente germine, mas
não impedem a produção e dispersão de pólen.
Dessa
forma, a característica da esterilidade pode ser transmitida para outras
plantas, inclusive para plantas silvestres. Cumpre assinalar que a Conferência
das Partes (COP-8) da Convenção da Biodiversidade, de 2006, em Curitiba,
reafirmou a proibição ao plantio de sementes GURT adotada na COP-5.
Apesar
de as decisões dos países membros de uma convenção já em vigor não serem
“vinculantes”, os países que as violam perdem respeito e credibilidade em
futuras negociações, podendo ser cobrado pela “falha” por interlocutores
inclusive em negociações sobre outros temas, sejam militares, comerciais, etc.
Assim,
no mínimo, é do interesse nacional que o Congresso não exponha o país a vexames
ou se desmoralize internacionalmente, sendo aconselhável, neste caso, como em
outros, que o Brasil mantenha a coerência entre compromissos assumidos junto a
outras nações e sua própria legislação nacional.
As
conseqüências da proposição em referência, na ampliação do monopólio
transnacional das sementes seriam desastrosas para economia, para os
agricultores e para a soberania nacional. Em um cenário onde 100% das sementes
precisassem ser compradas pelos agricultores, no Brasil, somente no caso do
milho, por exemplo, o gasto anual com sementes aumentaria de R$ 162 milhões
para R$ 1,17 bilhão.
No
caso do milho, a região mais penalizada com a obrigatoriedade de compra de sementes
a cada safra seria o Nordeste. Desta forma, além de onerar significativamente a
agricultura brasileira, a tecnologia terminator teria um impacto catastrófico
nos segmentos mais pobres da população rural, conforme dito, antes.
Portanto,
a modificação genética de plantas para produzir sementes estéreis tem sido
objeto de ampla condenação pela sociedade civil, por organismos científicos e
pelos governo s de numerosos países, por considerá-la, no mínimo, uma forma
imoral e antiética de aplicação da biotecnologia.
Não
bastassem tais implicações para os interesses coletivos e da soberania
nacional, a iniciativa mostra-se absolutamente inoportuna. Ocorre às vésperas
da Convenção do Clima de Paris, onde a temática ambiental, em geral, será
objeto das discussões e negociações pelos países membros da “COP do Clima”.
Nesses termos, recomenda-se, em primeiro lugar a luta pela distribuição do PL
para a Comissão de Meio Ambiente.
Alguém
pode achar que foi descuido ou ignorância a não distribuição do PL para o Meio
Ambiente? Também devemos lutar pela distribuição da matéria para a Comissão de
Relações Exteriores pelas razões postas no texto. De resto, cumpre aos paridos
políticos e organizações de trabalhadores e da sociedade civil, em geral,
comprometidos com os valores da soberania nacional e os demais interesses
maiores da sociedade brasileira a mobilização contra mais esse ato de lesa
pátria da bancada ruralista.
Fonte: http://desacato.info
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