Sobre o título
"Agrotóxicos são do mal?" (Boletim Informativo do Sistema FAEP,
no.1323, out.-nov.2015) o engenheiro-agrônomo Alfredo J.B.Luiz, da Embrapa Meio
Ambiente, dá seu parecer, pobre de argumentos científicos, sobre estes
perigosos agentes controladores de pragas, patógenos e ervas invasoras no nosso
país, por sinal o maior consumidor
desses venenos agrícolas em todo o mundo.
A interrogação que faz
(...são do mal?) permite deduzir que é a
favor do uso desses produtos, confirmando-se a assertiva pela leitura do
artigo. O que é admirável é o fato de ele trabalhar na Embrapa Meio Ambiente,
que já foi reduto das companhias multinacionais dos agrotóxicos.
E quando se chamava Centro
Nacional de Pesquisa de Defensivos Agrícolas (CNPDA,1982): uma aberração
inconcebível, uma vez que o Estado brasileiro, e não as milionárias
multinacionais dos agrotóxicos, fazia pesquisas para elas, pagas com o dinheiro
honrado de todos nós brasileiros.
Felizmente percebeu-se
isso em tempo de alterar completamente a linha de pesquisa, passando de
pesquisadores subservientes delas, e de seus métodos empíricos imediatistas,
para pesquisadores conscientes e atuantes em prol de uma agricultura racional,
sustentável a longo prazo, verdadeiramente de trópico.
Pautando suas pesquisas em
métodos visando sobretudo a saúde das pessoas, a conservação dos recursos de
produção e a preservação da natureza. Assim, três anos depois de criada, a
instituição tinha seu nome mudado para Centro Nacional de Pesquisa de Defesa da
Agricultura (CNPDA,1985).
Honra-me ter contribuído
para esta mudança; aflige-me saber que pode haver retrocesso, pela falta de
novas lideranças. Em reconhecimento ao meu esforço, recebi da Embrapa sua maior
condecoração: o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, o primeiro de sua natureza
concedido, em vida, a um professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz”.
Por isso sinto-me muito a
vontade para defender a linha que deve manter a Embrapa Meio Ambiente, se
quiser conservar a credibilidade e o propósito para os quais foi criada.
Ampliando seu leque de atividades, o Centro passou a ser conhecido como Embrapa
Meio Ambiente em 1993.
Resumo aqui, para
contrapor aos argumentos apresentados pelo pesquisador, o que me absorveu
décadas e décadas de investigação. Pragas e patógenos são controlados em áreas
tropicais e sub-tropicais máxime por agentes biológicos do ambiente, e não por
agentes químicos e físicos, como em áreas temperadas e frias. As cadeias
biológicas tropicais são muito diversificadas e por isso favoravelmente
estáveis.
Perturbações nelas, pelo
uso de agentes químicos, como os agrotóxicos, produzem desequilíbrios a favor
das espécies herbívoras (que são mais numerosas e têm resistência como
mecanismo pré-adaptativo, por evoluir diretamente com as plantas, que tentam
eliminá-las produzindo agrotóxicos naturais em sua defesa).
Desfavorecendo, por outro
lado, as espécies predadoras e parasitas (que são menos numerosas e não têm
resistência como mecanismo pré-adaptativo, por não co-evolverem com as plantas
e, sim, com as suas presas e seus hospedeiros herbívoros). O resultado é a
espécie herbívora tornar-se praga, pela morte dos inimigos naturais.
Isso explica porque havia
tão poucas espécies daninhas quarenta anos atrás e tanta hoje em dia
perfeitamente correlaciona com o emprego maciço de agrotóxicos nas lavouras
brasileiras, como demonstrei em livro que escrevi em 1979 (Pragas, praguicidas
e a crise ambiental: problemas e soluções, FGV, Rio de Janeiro), descritas em
compêndios volumosos de Entomologia, de Acarologia, de Nematologia, de
Fitopatologia.
Outro fator é a introdução
de espécies exóticas, que rapidamente se convertem em pragas primárias,
exatamente pela falta de inimigos naturais. Outro ainda, não menos importante,
é a simplificação imposta aos agroecossistemas tropicais e subtropicais (monoculturas).
(Ausência de rotação e de
consorciação de culturas, clones, variedades melhoradas para resposta aos
adubos solúveis e que são pouco resistentes e tolerantes às espécies daninhas,
falta de matéria orgânica no solo etc.), áreas geográficas essas em que a
diversidade é a regra absoluta, definida pela natureza em milhões de anos.
Um quarto fator que
favorece as pragas é o desequilíbrio bioquímico na planta, induzido pelo uso de
certos agrotóxicos e de adubos nitrogenados solúveis (amônia, sulfato de
amônio, nitrato de amônio, uréia, MAP, DAP), resultando em acúmulo de
aminoácidos e de nitrogênio livre na seiva e no suco celular, alimentos básicos
de insetos sugadores, de ácaros, de nematóides, de bactéria e de fungos.
Lembremos que a fonte de
nitrogênio para as plantas é o ar e não a rocha, e que a proteossíntese depende
de certos micronutrientes que podem faltar, por não serem fornecidos ou por
estarem bloqueados no solo, acumulando, dessa maneira, aminoácidos e nitrogênio
livre, o que desencadeia erupções de espécies daninhas.
Não pode haver agricultura
racional, sustentável, sem as forças da natureza, dentre as quais o papel dos
inimigos naturais no controle das espécies daninhas. O agrotóxico é a antítese
desse raciocínio, porque quem dele faz uso combate o efeito (a praga, o
patógeno, a planta invasora) e não a causa (os fatores que as geram).
E daí a necessidade de seu
uso contínuo, sem trégua nem regra, contaminando o solo, a água,o ar, os
animais, as plantas, os alimentos, o homem. Dia chegará em que não se terá água
sequer para beber, não pela sua falta, mas pela contaminação por resíduos de
herbicidas, como já acontece em países da Europa,e.g. Alemanha, que tiveram
suas águas profundas envenenadas com resíduos altamente solúveis de glifosato
(“round up”).
Infelizmente o pesquisador
da Embrapa não foi capaz de visualizar esse problema, dizendo que os herbicidas
por serem aplicados com as plantas de soja e de cana muito jovens não
representam riscos. Que se analisem até mesmo as águas minerais das áreas de
tais culturas para se ter ideia da dimensão do problema.
Ficando claro que aqueles
que defendem o uso dos agrotóxicos não poderão escapar da morte por câncer,
Alzheimer ou Parkinson, por terem acesso, ao contrário da grande maioria dos
brasileiros, à águas minerais que, acreditam, serem livres de resíduos tóxicos.
Também o pesquisador da
Embrapa Meio Ambiente parece desconhecer as exaustivas análises feitas todo ano
pela Anvisa, que demonstram estarem mais da metade dos alimentos nossos de cada
dia (morango, abacaxi, mamão, uva.
(Pimentão, pepino,
beterraba, cenoura, couve, alface e tantos outros) contaminados com resíduos
acima dos permitidos e por resíduos não permitidos para as culturas onde foram
detectados, de produtos desde muito tempo proibidos em outros países
(Paschoal,A.D.
2012. Alimentos Orgânicos, ADAE). A proporção seria muito maior
caso se adotasse no Brasil os Limites Máximos de Resíduos Aceitáveis (LMRA) dos
países desenvolvidos, muito menores que aqueles definidos para o nosso país.
Defender aquilo que está
lentamente nos matando, de forma imperceptível, envenenado o que de mais
sagrado existe, objeto primeiro da faina diária de cada um de nós, que é o
alimento que damos para alimentar nossas famílias, nutrir nossos filhos, é o
mesmo que defender o engodo, muito difundido entre nós, de que o importante é
“encher a barriga”, é “matar a fome.
Embora o saciamento da
fome diária com alimentos contaminados futuramente nos matará de doenças
degenerativas e neurogênicas. Será que alimento e veneno são compatíveis? Será
verdadeira a afirmativa de que resíduos dentro do que se estabeleceu por
ensaios não fazem mal à nossa saúde?
Se assim for, como
explicar que os valores aceitáveis de resíduos em alimentos nos países
desenvolvidos são muito mais baixos do que aqueles definidos para o Brasil?
Como também explicar o crescimento vertiginoso da Agricultura Orgânica (que não
usa agrotóxicos) em muitas partes do mundo? A talidomida, que era receitada
pelos médicos às mulheres grávidas porque se acreditava ser uma droga segura,
quantas vítimas mutiladas fez no mundo!
São muitos os ensaios que
provam ser a produtividade da Agricultura Orgânica igual ou superior à da
agricultura convencional, como demonstrei em livro que escrevi em 1994
(Produção Orgânica de Alimentos. Agricultura Sustentável para os Séculos XX e
XXI), sem riscos para a natureza e para a saúde humana. Não é sem razão que
cresce 20% ao ano no Brasil, a taxa mais alta do mundo.
É inconcebível falar em
uso racional de venenos, exceto quando em doses homeopáticas, o que não é o
caso dos agrotóxicos. Enquanto acreditarmos que esses produtos são um mal
necessário aos agricultores e não um bem necessário às multinacionais do ramo
agroquímico terá de continuar consumindo alimentos envenenados.
Aceitando passivamente a
contaminação dos recursos naturais indispensáveis à sobrevivência das gerações
presentes e futuras. *Professor Sênior do Departamento de Entomologia e
Acarologia - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz,USP.
Fonte: Carta Maior
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