“A luta
essencial é entre mercado e direitos. A gente quer tirar do mercado e colocar
na esfera dos direitos e eles querem mercantilizar. A linha demarcatória é
entre neoliberalismo e antineoliberalismo”, define o sociólogo Emir Sader,
quando questionado sobre o que é ser de esquerda nos dias de hoje. Sader esteve
em Curitiba para o lançamento de seu livro A Arma da Crítica – Antologia do
Pensamento de Esquerda (Editora Boitempo, ao lado de Ivana Jinkings). Em
coletiva cedida à imprensa sindical e de esquerda, organizada pelo sindicato de
professores estaduais (APP-Sindicato), o que era para ser uma conversa pontual
sobre um lançamento tornou-se uma reflexão sobre a crise econômica e a disputa
em torno da manutenção do modelo neoliberal, por um lado, e as tentativas
populares de romper essa hegemonia; o que passa, de acordo com Sader, pela
questão de os movimentos sociais retornarem à disputa na esfera política. (Brasil
de Fato – Qual caracterização o senhor faz do atual momento da crise mundial?) Emir
Sader – É inerente ao capitalismo a crise. Como Marx reconheceu no próprio
Manifesto Comunista, o capitalismo tem uma extraordinária capacidade de
transformação da realidade, mas não distribui renda para consumir o que produz.
Então, periodicamente o Capital tem crises, que alguns chamam de superprodução
e outros subconsumo. A produção cresce e falta consumo, então o paradoxo é que
sobram mercadorias nas estantes. Ao invés de distribuir renda para consumir, a
crise manda embora trabalhadores e aumenta-se mais ainda a crise. Só que o
capitalismo achava que o mercado recompõe isso. Na crise, as empresas que eles
consideram fragilizadas, digamos, quebram e o capitalismo retoma seu ciclo de
crescimento, num patamar mais baixo, mas mais saudável. Desta vez, não está
acontecendo isso. Porque na fase neoliberal do capitalismo, o que é hegemônico
é a especulação e não a produção. (Como se dá este embate no campo da
política? A impressão é que, na opinião pública, se polariza entre alternativas
neoliberais e o resgate do keynesianismo.) O grande diagnóstico dos
dirigentes capitalistas quando terminou o ciclo expansivo econômico anterior
foi o de que a economia deixou de crescer porque havia muita regulamentação e
‘muito Estado’. Então, é preciso liberar a livre circulação do Capital, tirar
as travas para que circule. A grande norma passa a ser a desregulamentação, o
livre-comércio. Ao fazer isso, não vem um ciclo produtivo e expansivo. Porque o
Capital não é feito para produzir, mas para acumular, se ele consegue isso na
acumulação é para lá que ele vai. Então, em escala mundial, há uma brutal
transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo. Hoje, mais de
90% das trocas econômicas no mundo não são compra e venda de bens, são
basicamente compra e venda de papéis. Ele [sistema capitalista] está numa fase
particular, diferenciada. O neoliberalismo não teve um ciclo produtivo porque
na verdade canalizou recursos para a especulação. A crise explode diretamente
no sistema financeiro, bancário. E a hegemonia de ideias é neoliberal. Estão
dando soluções neoliberais para a crise na Europa, estão jogando álcool no
fogo. Tanto que a Dilma jogou isso na cara da Angela Merkel: cortando [direitos
trabalhistas, previdenciários] só se leva a mais recessão e desemprego. Essa é
a interpretação dominante. A outra [solução] é a da reativação keneysiana, um
pouco o que a América do Sul está fazendo. Algo óbvio. Na crise se investe mais
em políticas sociais, distribui a renda para aumentar a demanda. Como fizemos
em 2008. O que tem uma solução, do ponto de vista imediato, anticíclica,
funciona relativamente. Tanto que a América do Sul é um polo de desenvolvimento
ainda. Falta-nos a demanda deles, mas em outras circunstâncias a crise seria
avassaladora. Já existe uma multipolaridade econômica mundial, pela integração
regional, pela relação com a China, e também pelo mercado interno de consumo. A
visão crítica disso é que é uma solução defensiva em relação à crise. Se você
não muda estruturas econômicas de poder, isso tem limites. Nosso continente foi
vítima das transformações mundiais negativas, como a crise da dívida, ditaduras
militares, governos neoliberais, e que desarticularam a estrutura industrial,
abriram aceleradamente a economia, enfraqueceram o Estado. Então temos coisas
paradoxais: os produtos primários agrícolas e energéticos são prioridade na
exportação do comércio exterior, então exportamos soja e fazemos política
social. Melhor assim, mas de qualquer maneira é uma soja ligada ao agronegócio.
Então, temos limitações estruturais, porque a estrutura mundial ainda é
hegemonizada pelo neoliberalismo. Só tem saída com a integração regional. (Houve
o crescimento de renda nos governos Lula e Dilma, mas isso não parece
interferir na consciência de classe. O senhor poderia comentar esse processo?) Essa
é a maior disputa no mundo hoje. Os EUA são decadente como potência militar,
política e econômica, mas a maior força deles é a força ideológica. O modo de vida
estadunidense é a mercadoria mais forte que eles têm que penetra na China,
penetra na periferia dos pobres, são valores determinantes, que ninguém compete
com eles. No Brasil, não se está gerando uma nova forma de sociabilidade,
correspondente à democratização econômica e social. Isso não está sendo
acompanhado de valores. Hoje o risco não é tanto o consumismo, mas quem é que
influencia os processos mesmo eleitorais? É a mídia e são as igrejas
evangélicas. O movimento popular está muito fragilizado no seu processo de
mobilização e também de difusão de idéias. São Paulo foi pega desprevenida
neste sentido. “Vivemos três ditaduras que são os obstáculos maiores: a
ditadura do dinheiro, que é o capital financeiro, ditadura da terra, que é o
agronegócio, e a ditadura da palavra, que é o monopólio da mídia, o que
dificulta essa criação de consciência nova”
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