Por Breno
Altman, especial para o 247.
Em análise exclusiva para o 247 sobre as
pesquisas Datafolha, o jornalista Breno Altman argumenta que o quadro é
preocupante, mas não desastroso para o PT; segundo ele, o bloco de confiança no
governo Dilma, que além do "ótimo e bom" inclui ainda o
"regular", recuou em ritmo mais lento, caindo de 90% a 73%; além
disso, o ex-presidente Lula, que venceria todos os adversários somados (Marina
Silva, Aécio Neves, Joaquim Barbosa e Eduardo Campos) seria a prova da
identificação do eleitorado com o ciclo iniciado em 2003; apesar da leitura
menos pessimista, ele afirma que o recado deve ser compreendido pelo PT:
"as ruas querem mais reformas e maior velocidade nas mudanças" Recentes pesquisas realizadas pelo
instituto Datafolha, sobre popularidade do governo federal e intenções de voto
para 2014, assanham a direita e tiram o ar de setores da esquerda. Os números
parecem dizer, a julgar por algumas manchetes e análises, que o país caminha
para encerrar o ciclo de reformas iniciado em 2003. Mas recomenda-se cautela ao
interpretar esses levantamentos, antes de bailar o carnaval ou vestir-se de
luto. O fato mais relevante é a queda de popularidade da presidente Dilma. O
índice de eleitores que consideravam sua administração ótima ou boa cravou os
65% no final de março, baixou para 57% no início de junho e despencou para 30%
após a escalada de protestos. O número de seus eleitores potenciais acompanhou
a curva: 58%, 51% e 30%. A má notícia para petistas e aliados é inegável, pois
saltou de banda praticamente metade do apoio e eleitorado da titular do
Planalto. Cometerá sério erro, no entanto, quem enxergar isoladamente esse dado
estatístico. Não apenas pela natureza fotográfica e momentânea de pesquisas,
mas também por conta de outros registros disponíveis nas mesmas enquetes. O
primeiro deles é que o bloco de confiança, agregando a classificação
regular aos julgamentos francamente positivos, deteriorou-se em ritmo mais
baixo. Situava-se em 93% no pico, manteve-se no início de junho (90%) e caiu
agora para 73%. Enquanto o grupo superior perdeu 53,85% de seus adeptos em três
meses, a faixa que abarca também o nível intermediário foi reduzida em 21,50%. Ou
seja, apesar do tsunami político, a reversão nas avaliações não levou a uma
maioria antagônica ao governo, ainda que haja riscos reais e imediatos. Os
descolamentos atuais estão situados em um campo em disputa, no qual o governo e
o PT podem encontrar audiência e recuperar terreno. Esta mesma tendência se
aplica à intenção de votos em Dilma. No cenário mais provável para 2014, com
quatro candidatos (a atual presidente, Marina Silva, Aécio Neves e Eduardo
Campos), a petista perdeu 21 pontos em relação à última pesquisa, mas 12 desses
pontos migraram para o grupo de votos indefinidos, brancos ou nulos. Os
candidatos de oposição cresceram, é fato, mas absorvendo menos da metade do que
Dilma perdeu. Trata-se de ponto relevante que a chefe da Rede tenha sido a
candidata mais beneficiada, crescendo de 16 para 23% - enquanto o representante
tucano ganhou somente três pontos (de 14 para 17%) e o governador pernambucano
praticamente patina na mesma posição (foi de 6 para 7%). Marina Silva, afinal,
é desaguadouro natural e instável para eleitores desgostosos com o PT que não
pretendem migrar para a direita. Mesmo quando Joaquim Barbosa entra na parada,
o quadro não muda de forma expressiva, ainda que promova relativa desidratação
dos demais candidatos contra o oficialismo (Marina baixa a 19%, Aécio a 14% e
Campos a 4%). A soma dos candidatos oposicionistas sobe de 47 para 53%, com o
segmento de indefinidos, brancos e nulos descendo de 24 para 19%, enquanto
Dilma fica praticamente na mesma, caindo de 30 para 29%. Deve-se ressaltar que
momentos de politização da sociedade alteram a lógica de alinhamento do
eleitorado. Quando o cenário do país desenvolve-se sem solavancos, é comum
haver certa simpatia administrativa até de quem não votou e sequer votaria no
partido de plantão. Mas quando há clima de polarização, a tendência de
confluência entre apoios e opção ideológica se afirma. Os 30% de Dilma nas
pesquisas representam o núcleo duro do eleitorado petista e de esquerda, contra
outros tantos (simpáticos a Aécio e, em parte, a Marina ou Joaquim Barbosa) que
são fiéis do conservadorismo, enquanto os setores oscilantes representam ao
redor de 40% dos eleitores. Não houve, a julgar pelo Datafolha, significativo
crescimento da direita, mas perda importante de gordura governista a favor da
zona nebulosa na qual estão tanto votos indecisos, nulos e brancos quanto
candidatos que exibem perfil alternativo aos partidos tradicionais. O segundo
tema de relevo está no desempenho do ex-presidente Lula caso fosse candidato em
2014. Alcança 45% das preferências, contra 43% de todos adversários somados
(Marina faria 14%, Barbosa bateria em 13%, Aécio não ultrapassaria 12% e Campos
estacionaria em 4%). Também recuam indecisos, nulos e brancos, para 13%. Apesar
da queda de 10% em relação à última pesquisa, o desempenho do líder petista
revela importantes reservas de força a favor da esquerda. Esta performance
também confirma que as características dos protestos no Brasil são bastante
distintas de seus congêneres europeus ou árabes. A memória majoritária sobre os
dez anos de governo progressista é positiva, especialmente entre os pobres da
cidade e do campo, e profundamente identificada com o ex-presidente. O país
viveu ciclo de melhoria paulatina da economia e das condições de vida e renda
entre as camadas populares, que mantém sua lealdade ao projeto liderado pelo
PT. Os sucessos deste processo, associados a suas limitações, trouxeram novas
contradições, e esse é um terceiro elemento central de análise. O desemprego é
o principal problema nacional para apenas 4% dos entrevistados pelo Datafolha,
por exemplo. Baixos salários sequer constam das inquietações principais.
Tampouco inflação. Mas a oferta dos principais serviços públicos deixa 71% dos
brasileiros insatisfeitos – 48% reclamam da saúde, 13% da educação e 10% da
segurança, em respostas únicas e espontâneas. Pode-se concluir que a ascensão
sócio-econômica retirou algumas dezenas de milhões da plataforma de
reivindicações para a sobrevivência e os colocou no rumo de exigências por
melhor qualidade de vida, fenômeno que rebate diretamente no desempenho do
poder público. Há perda paulatina na confiança de que essas demandas possam ser
atendidas por um sistema político que parece contaminado por interesses
corporativos e privatistas. O aumento no preço das tarifas de transporte
público e o custo das obras destinadas à Copa, potencializados pela repressão
policial nos estados, aparecem como gatilhos para a conversão desta
insatisfação em mobilização, que abraça temas concretos e conflui como
questionamento generalizado ao arcabouço institucional construído pela
transição conservadora à democracia. O PT acumulou forças fora deste sistema,
como seu crítico mais duro e contumaz, ainda que tenha sempre operado pelas
regras constitucionalmente vigentes. Ao conquistar o governo, em minoria
parlamentar, seus dirigentes consideraram que não havia forças para mudar essas
instituições e conduziram reformas em seu âmbito. A explosão da crise de junho,
nessas circunstâncias, atinge o partido e o conjunto da esquerda como
integrantes de um edifício político corroído por cupins famintos, na percepção
das ruas. Por fim, um quarto componente das pesquisas convalida o tipo que
crise que o país atravessa: 68% dos entrevistados apóiam o plebiscito para
reforma política e 73% seriam favoráveis à convocação de uma constituinte (o
que eventualmente revela recuo precipitado do governo sobre esse tema). Ao
contrário do que manifestam correntes de direita, dentro e fora das legendas
oposicionistas, a maioria dos eleitores aplaude uma solução política de grande
amplitude para os dilemas atuais. Esta inclinação do eleitorado talvez traga a
chave de compreensão para a esquerda refazer sua estratégia e recuperar o
terreno perdido. As ruas querem mais reformas e maior velocidade nas mudanças.
Parte da cidadania, aquela de orientação progressista, condena o PT e seu
governo por terem ficado parecidos demais, próximos demais, com os grupos
econômicos e políticos que sempre combateram. A resposta às mobilizações e aos
resultados das pesquisas não parece ser uma questão técnica, de gestão, mas um
rumo político. Uma nova agenda que aprofunde o processo iniciado em 2003, a
começar pela radicalização da democracia. O confronto de programas, o reforço
da identidade de esquerda e a defesa abnegada dos interesses populares contra a
plutocracia podem ser o melhor caminho de reencontro com a base social
momentaneamente perdida. Uma visão tradicionalista, de que os 40% perambulando
entre o PT e a oposição de direita constituem um "centro", a ser
disputado com maior eficácia administrativa (ainda que necessária) e mais
moderação tanto na política quanto na economia, tem boas chances de ser
desastroso tiro no pé. Breno
Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista
Samuel.
Fonte: http://www.brasil247.com
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