José de Anchieta critica a
superficialidade dos conteúdos e a falta de autonomia dos meios de comunicação
controlados por grupos políticos.
No Brasil, grande parte dos meios
de comunicação está sobre controle de políticos, um fenômeno conhecido como
“coronelismo eletrônico”. Essa prática, que é proibida pela Constituição
Federal, alimenta um sistema de negociações e abuso de poder que é invisível e
desconhecida para a maior parte da população.
A pesquisa Donos da Mídia, que
cruzou informações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre os
anos 1987 e 2008, levantou 271 políticos como sócios ou diretores, direta ou
indiretamente, de 324 veículos de comunicação.
A pesquisa também aponta que o
coronelismo eletrônico é disseminado em todo o País e adotado pela grande
maioria dos partidos. O DEM aparece na lista com o maior número de políticos
donos de rádio e TV com 58 parlamentares. Já o PMDB é o segundo do ranking com
48.
Vale ressaltar que o PMDB é o
partido com o maior número de parlamentares ruralistas – a maior bancada do
Congresso Nacional – que defende os interesses dos grandes proprietários de
terra e todas as pautas ligadas ao agronegócio. O terceiro da lista é o PSDB
com 43 parlamentares.
A doutoranda em Comunicação e
Cultura pela UFRJ, Janaine Aires, explica que o coronelismo eletrônico é uma
prática antiga que ao longo da história política brasileira assumiu papéis
diferentes, mas manteve sempre como característica o caráter clientelar das
concessões.
E foi no governo Sarney, com
Antônio Carlos Magalhães como chefe do Ministério das Comunicações, que houve
uma verdadeira “farra” de concessões. Para se ter uma ideia, em 3 anos, foi
distribuída mais da metade das concessões outorgadas em 51 anos de radiodifusão
no Brasil.
“Convivemos com a atuação
parlamentar de radiodifusores, que como é de se imaginar, não votam contra os
próprios interesses e impedem a regulamentação das conquistas que a comunicação
obteve na Constituinte de 1988”.
O cenário de concentração política dos meios
de comunicação acentua os desequilíbrios entre aqueles que disputam o poder,
fortalece o falseamento da representação e coloca os detentores de concessões
em posições políticas privilegiadas”, ressalta Janaine.
O controle da mídia por políticos
também traz consequências graves para as populações mais vulneráveis como mulheres,
jovens e populações tradicionais, que cotidianamente lutam para garantir seus
direitos.
A integrante do Coletivo
Intervozes e comunicadora popular da ASA, Raquel Dantas, conta que todo grupo
que enfrenta a negação de direitos está no caminho de grandes interesses e
dificilmente as violações sofridas por esses grupos ganharão espaço nos
veículos controlados por parlamentares, em especial os de radiodifusão, por
onde a maior parte da população tem acesso à informação.
“A negação ao direito à comunicação
desses povos é a própria negação da cidadania, pelo processo de invisibilidade
que sofrem e pela ausência da informação sobre seus direitos. O impacto também
se dá pelo efeito devastador para a multiplicidade cultural e a identidade que
caracteriza cada um desses grupos”, ressalta a comunicadora.
Tão absurdo quanto infringir a
lei é o modo como as outorgas são aprovadas e renovadas, geralmente com grande
facilidade e muitas vezes em sessões esvaziadas e de curta duração. O artigo 54
da Constituição Federal é bem objetivo quanto à proibição de deputados e
senadores serem sócios de empresas concessionárias de serviço público, o que
inclui canais de rádio e TV.
Polarização política e midiática
- Em muitas cidades, a propriedade dos meios de comunicação espelha o universo
de disputa política do estado. Em Patos, no Alto Sertão da Paraíba, por
exemplo, a disputa ocorre entre os grupos Motta e Sátiro.
A atual prefeita, Francisca
Motta, é sócia do Sistema Itatuinga de Comunicação e da Rádio Itatiunga FM, juntamente
com Nabor Wanderley Filho, ex-prefeito de Patos. Já a Rádio Panati FM pertence
ao grupo Sátiro e tem como um dos sócios Múcio Sátiro, ex-deputado federal.
osé Anchieta de Assis, que por
mais de 15 anos apresentou um programa numa rádio comunitária ligada a Pastoral
Social da Diocese de Patos, critica a superficialidade dos conteúdos devido às
disputas políticas locais e à falta de autonomia dos meios de comunicação que
pertencem a grupos políticos. E isso implica no não estímulo da capacidade
crítica das pessoas e impede a manifestação livre dos cidadãos.
“As pessoas, quando se dirigem a
uma determinada emissora de um grupo político, ou concorda com o que ele fala
ou critica o grupo político adversário”. Então os problemas centrais
normalmente não aparecem porque fica nessa briga.
“Eu acho que isso empobrece a
comunicação”, lamenta Anchieta, que também integra a coordenação da ASA pelo
estado da Paraíba e compõe a equipe da Caasp, uma central de associações de
assentamentos do Alto Sertão da Paraíba ligada à ASA.
O caso de Patos e de outras
cidades da Paraíba está registrado no artigo “Política no Ar e no Sangue”, de
Janaine Aires. As informações fazem parte dos resultados preliminares do
projeto "Clientelismo e patrimonialismo nas políticas de comunicação
brasileiras:
“Dinâmicas assimétricas de poder
e negociação”, do qual Janaine é vice-coordenadora. O projeto é financiado pela
Fundação Ford e executado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da
Informação e da Comunicação (PEIC).
A pesquisa, que trará dados
inéditos, busca mostrar o caráter sistêmico do coronelismo eletrônico. Isso
ajuda a perceber, por exemplo, que essa prática não se resume à posse política
de um meio de comunicação, como a maior parte das pessoas pensa.
Além disso, de acordo com
Janaine, esse olhar sistêmico ajuda a perceber as relações clientares de alto
grau de reciprocidade que caracterizam a política brasileira e a fragilidade da
distinção entre o público e o privado no Brasil.
Fonte: www.asabrasil.org.br
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