Projeto de lei avança no
Congresso e pode disseminar sementes propositalmente estéreis produzidas por
multinacionais; As Terminator são sementes modificadas geneticamente para
ficarem estéreis a partir da 2ª geração
Grupos de lobby costumam
se aproveitar de governos enfraquecidos, e o Brasil não é exceção. Em meio à
atual crise política, a bancada ruralista no Congresso se movimenta para
aprovar um projeto de lei que modificaria a Lei de Biossegurança.
Se aprovado, o PL 1117
fará do Brasil o primeiro país no mundo a legislar em favor do cultivo
comercial de plantas propositalmente estéreis, afrouxando a proibição às
chamadas sementes Terminator. Ambientalistas acreditam que o PL, hoje avançando
no Congresso com pouca discussão, representa uma das maiores ameaças de todos
os tempos à biodiversidade brasileira.
A intenção da bancada
ruralista não é nova. Desde a aprovação da Lei de Biossegurança em 2005 esses
parlamentares tentam liberar o cultivo de plantas Terminator. A diferença desta
terceira tentativa é que nunca as chances de aprovação foram tão grandes.
O filho da ministra de
Agricultura, Kátia Abreu, Irajá Abreu (PSD-TO) apresentou o primeiro projeto de
lei em 2005 e hoje comanda a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. É
nesta comissão que Alceu Moreira (PMDB-RS) apresentou o novo texto.
Gerson Teixeira,
especialista em desenvolvimento agrícola e crítico da iniciativa, vê poucas
chances de obstruir a aprovação: “a bancada ruralista tem um céu de brigadeiro
à sua frente”.
Muito parecido com os dois
anteriores, o novo PL reduz a proibição das Tecnologias Genéticas de Restrições
de Uso, as GURTs, comumente chamadas de Terminator. Tratam-se de sementes
transgênicas modificadas para se tornarem estéreis a partir da segunda geração.
O projeto libera essas
sementes nos casos de “plantas biorreatoras” ou plantas que possam ser
“multiplicadas vegetativamente”. Plantas biorreatoras incluem qualquer planta
modificada geneticamente para uso industrial -- por exemplo, para a indústria
farmacêutica ou para a produção de biocombustíveis.
Plantas “multiplicadas
vegetativamente” são aquelas que se reproduzem assexualmente. Essas exceções
irão permitir o uso de espécies estéreis no cultivo de algumas das lavouras
principais no Brasil, como cana-de-açúcar e eucalipto.
As sementes seriam também
liberadas para o cultivo de plantas consideradas “benéficas para a
biossegurança”. Essa linguagem vaga introduz outra brecha interessante aos
produtores das sementes transgênicas.
Caberia a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), onde a bancada ruralista goza de boa
influência, a decisão sobre o que é “benéfico para a biossegurança”. A nova
semente pode trazer custos ao agricultor, que teria de comprar grãos para o
plantio a cada safra; Ambientalistas preocupados
Os defensores dizem que
essas sementes são seguras, porque as suas próprias caraterísticas, sobretudo a
sua esterilidade, impediriam a sua disseminação. Os ambientalistas não
concordam.
Segundo Silvia Ribeiro,
diretora para América Latina do ECT (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e
Concentração), uma organização internacional de estudos ambientais e
socioeconômicos, “existem relatórios científicos indicando que as GURTs não
funcionarão como prometido e implicam em novos riscos”.
A EcoNexus, instituição
britânica que investiga esse tipo de sementes desde 1998, não está convencida
de que as Terminators não causarão contaminação.
O fato de estas sementes
terem passado por modificações genéticas para serem estéreis traz preocupação
quanto às consequências de uma introdução no ecossistema. Em um cenário ruim, o
gene Terminator poderia se espalhar de forma imprevisível pelo Brasil,
ameaçando inclusive biomas como o da Amazônia. Teixeira é pessimista quando ao
possível efeito: “essas sementes podem levar a um armagedom da agricultura
brasileira”. Mais gastos para agricultores.
Se a esterilidade das
plantas se generalizar, haverá ainda consequências econômicas para os
agricultores brasileiros, particularmente os pequenos. No momento, os
produtores guardam sementes de quase dois-terços dos seus cultivos para plantar
no ano seguinte, reduzindo consideravelmente os seus custos.
Com o uso de sementes
estéreis, há a obrigação de se comprar novas sementes todo ano. Citando o
exemplo do milho, Teixeira calcula que os agricultores brasileiros teriam que
pagar R$ 1,17 bilhões por ano na compra de novas sementes, comparado ao
desembolso atual de R$ 162 milhões.
Quem ganha com esse extra
é o mercado de sementes, hoje dominado por multinacionais. Segundo Darci Frigo,
advogado da organização socioambiental Terra de Direitos, “as multinacionais
compraram praticamente todas as pequenas e médias empresas de sementes”.
Elas dominam a cadeia
alimentar desde a produção de sementes, fertilizantes e pesticidas até a
logística, transporte e exportação. “Os agricultores são totalmente
subordinados a esses grupos.”.
Os chamados “big six” –
Monsanto, Dupont e Dow (EUA), Syngenta (Suíça) e as alemãs Basf e Bayer – introduziram
todos os transgênicos autorizados para cultivo comercial no Brasil. A única
empresa brasileira no setor é a estatal Embrapa.
Gerson Teixeira acredita
que as multinacionais estão por trás do movimento em prol da aprovação do PL,
uma vez que elas ganhariam uma espécie de “patente biológica” impedindo os
agricultores de guardar as suas sementes – forçando as novas compras a cada
ano. COP 21.
Em 2000, os 192 países
signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica – um tratado internacional
que reconhece que a conservação da diversidade biológica é uma “preocupação
comum da humanidade” – impuseram uma moratória sobre as Terminator.
As empresas de biotecnologia se comprometeram a não comercializá-las. A aprovação na Comissāo de Agricultura é só o primeiro passo. O que pode dificultar o lobby da bancada ruralista é a Conferência do Clima em Paris em dezembro.
As empresas de biotecnologia se comprometeram a não comercializá-las. A aprovação na Comissāo de Agricultura é só o primeiro passo. O que pode dificultar o lobby da bancada ruralista é a Conferência do Clima em Paris em dezembro.
O Brasil deve apresentar
seu sucesso em reduzir o desmatamento na Amazônia. O prestígio internacional
vindo com este avanço, no entanto, poderia ser ofuscado pela eventual censura
internacional caso o País se torne o primeiro do mundo a dar o sinal verdade
para as Terminator. * A jornalista inglesa Sue Branford foi editora para a
América Latina da BBC e correspondente do Guardian em São Paulo.
[Fonte: asaparaiba]
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