"Enfeite-se
com margaridas e ternura e escove a alma com leves fricções de esperança. De
alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o
próprio jardim." Carlos Drummond de Andrade.
A luta de Margarida
tomou grande repercussão. Ela passou a receber ameaças e recomendações de que
parasse de "criar caso". E no dia 12 de agosto, há 30 anos, as
ameaças se cumpriram. No Congresso de fundação da CUT, em 28 de agosto de 1983,
uma das construtoras desse novo e grande projeto sindical, uma líder de garra,
que lutava por justiça e igualdade no campo e estava a uma semana de completar
50 anos, não estava presente. Seu nome: Margarida Maria Alves. Seu trabalho:
sindicalista. Suas frases marcantes: "é melhor morrer na luta, do que
morrer de fome" e "da luta eu não fujo". Sua vida: ceifada, a
mando do latifúndio. Além de fundadora do Centro de Educação e Cultura do
Trabalhador Rural, a líder de pés na terra, presidia o Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande - PB. Obteve grande destaque na região e
no país por atuar junto aos trabalhadores rurais na busca pela garantia dos
seus direitos básicos. Promovia campanhas de conscientização. As trabalhadoras
e trabalhadores rurais então, apoiados pelo Sindicato, moviam ações na Justiça
do Trabalho, para o cumprimento da legislação trabalhista, exigindo carteira de
trabalho assinada, 13º salário, redução das extenuantes jornadas e férias.
Passos fundamentais para acabar com o trabalho escravo vivenciado na própria
carne por Margarida e seus companheiros. Tanto era seu esforço que, à época do
assassinato havia mais de 70 reclamações trabalhistas contra donos de usinas de
cana-de-açúcar. A luta de Margarida tomou grande repercussão. Ela passou a
receber ameaças e recomendações de que parasse de "criar caso". E no
dia 12 de agosto, há 30 anos, as ameaças se cumpriram. Na porta da própria
casa, o rosto expressivo e forte da líder sindical foi desfigurado por um tiro
de rifle, na presença de seu marido e de seu filho, colocando fim a uma vida de
lutas e enlutando família, amigos e companheiros de jornada. Mas, ao tempo que
a vida da aguerrida e destemida sindicalista se esvaía, a luta se reconfigurava
e se fortalecia através do coro de vozes que exigia justiça. Este som se
amplificou, ressoou na região, no Brasil e mais longe: na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e na Organização dos Estados Americanos. Infelizmente
ela não foi a primeira e nem a última mártir a perder a vida lutando por
melhores condições de trabalho e de vida. Trazemos aqui o também sindicalista,
seringueiro, ambientalista de renome internacional, e dirigente nacional da
CUT, Chico Mendes; o extrativista, fundador do Sindicato das Trabalhadoras e
Trabalhadores Rurais de Brasiléia – AC, Wilson Pinheiro; o padre Josimo,
coordenador da Comissão pastoral da Terra do Bico do Papagaio, assassinado a
mando de fazendeiros por sua defesa dos trabalhadores ruraris; a missionária
Dorothy Stang, assassinada por defender assentamentos em terras públicas. E
soma-se ainda aos casos de extermínio de trabalhadoras e trabalhadores, o casal
de extrativistas de Nova Ipixuna – PA, Maria do Espírito Santo e José Claudio
Ribeiro da Silva, assassinados em 2011. Esses casos integram uma triste lista
de crimes que certificam a ausências de proteção, de justiça, de respeito aos
direitos fundamentais. Fortalecem a sensação e a concretude da ausência do
Estado. São milhares de trabalhadoras e trabalhadores que, invisíveis ao Poder
Judiciário, à imprensa, à sociedade, às instituições públicas, tombaram e
tombam na luta. A impunidade tem sido, ao longo da história, uma lamentável
realidade nos crimes cometidos contra a classe trabalhadora, especialmente no
campo, onde se banaliza a vida de quem luta pelo direito à terra, por condições
de trabalho dignas; por água, saneamento básico e ambiental; por moradia; por
escoamento da produção, crédito, alimentos saudáveis; por direito à organização
sindical, pela redução da jornada de trabalho, por salário digno e decente, por
qualidade de vida, pela solidariedade de classe. Os levantamentos da Comissão
Pastoral da Terra – CPT, apontam que, desde 1985, apenas 8% dos conflitos
agrários foram a julgamento. Até 2011, a CPT registrou 1186 ocorrências, 641
delas na Amazônia Legal. Só no Pará foram registrados 408 casos num total de
621 mortes. E, diante de tantas mortes, Margarida se tornou um símbolo de
força, de coragem, de resistência. Um exemplo e um estímulo para a luta. Uma
força mobilizadora que inspirou a criação da "Marcha das Margaridas",
promovida e organizada pela Contag desde 2000, cuja tarefa inicial foi
desenvolvida de forma marcante pelas companheiras Raimunda Celestina de
Mascena, conhecida como Raimundinha, e Carmen Foro, e que continua atualmente
sob a liderança de Alessandra Luna, Secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais
da Contag. Esse encontro de milhares de mulheres fortalece a resistência, a
luta contra todas as formas de discriminação, contra a violência no campo, por
igualdade de gênero, por justiça e paz. Fortalece especialmente a identidade
estabelecida pelo movimento de mulheres do campo, das águas, das florestas, das
cidades. Essas mulheres, engajadas e inspiradas pela representante da flor
branca, símbolo de paz, se articulam e atuam, fazendo com que suas vozes
reverberem para milhões de outras no Brasil e em outros países. A Marcha das
Margaridas é a maior mobilização de mulheres trabalhadoras. Como estratégia
política construída pelas mulheres trabalhadoras rurais organizadas nos
movimentos sociais e sindicais, a ação dá visibilidade, reconhecimento social e
político para combater a fome, a pobreza, a violência. É a expressão da luta
por terra, trabalho, dignidade, justiça . igualdade, cidadania plena. A Jornada
das Margaridas 2013 é centrada em quatro eixos fundamentais: Biodiversidade e
Democratização dos Recursos Naturais; Terra, Água e Agroecologia; Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional; e Autonomia Econômica, Trabalho e Renda. Nesses
30 anos de existência, a CUT se solidariza e é parte integrante da luta das
mulheres. No Congresso de 2003, a Central criou a Secretaria da Mulher
Trabalhadora, consolidando 17 anos de organização das mulheres no âmbito
sindical cutista, reconhecendo a importância da contribuição destas enquanto
sujeitos sociais e políticos. A partir de então, tem promovido inúmeras ações
de fortalecimento da organização das mulheres em nível nacional e
internacional. Neste mês de agosto, por exemplo, terá participação ativa no 9º
Encontro da Marcha Mundial de Mulheres, onde levará o debate sobre a igualdade
no mundo do trabalho. Assim, é imperioso que, especialmente nesse período,
prestemos nossa homenagem a todas as trabalhadoras que, incansáveis, lutam por
um mundo mais digno e justo. Nossa retribuição à honra daquelas que foram
arrancadas do nosso convívio pela ganância dos que escolhem o ter em detrimento
do ser. Nosso agradecimento ao exemplo de que a construção de uma sociedade
igualitária é possível. Viva as mulheres trabalhadoras! Viva Margarida Alves!
Viva a Marcha das Margaridas!
Fonte: http://www.brasil247.com